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São Paulo, quinta-feira, 17 de abril de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A promoção do capitão Ubirajara

JOSÉ CARLOS DIAS

O governador Geraldo Alckmin é um homem sério, sempre foi um político coerente, dou disso testemunha como cidadão e como ex-secretário e ex-ministro da Justiça. E é em sinal desse respeito que lhe devoto que declaro estranhar a nomeação de Aparecido Laertes Calandra para chefiar o Departamento de Inteligência da Polícia Civil e suas declarações dadas para justificar o ato administrativo praticado.
O delegado Calandra, conhecido pelo codinome de capitão Ubirajara, atuou no DOI-Codi, a "Casa dos Horrores", durante os anos mais duros da ditadura. Naquele período em que lá esteve o capitão Ubirajara, pessoas foram mortas, bastando lembrar o jornalista Wladimir Herzog, morto durante uma sessão de tortura. Atuei profissionalmente no caso; a documentação do envolvimento do capitão Ubirajara é exuberante. Outras pessoas "desapareceram". Há muitos depoimentos que o vinculam diretamente à tortura. Aliás, por força de lei, está o governo pagando indenizações a vítimas da violência do DOI-Codi no período em que lá estava o capitão Ubirajara.
Estou de pleno acordo que não é o caso de julgá-lo agora. Foi beneficiado pela Lei da Anistia. Aliás, seria bom que fosse esquecido de vez. Mas uma coisa é não puni-lo, outra coisa é premiá-lo, dando-lhe um cargo de tanta responsabilidade como dirigir o Departamento de Inteligência da Polícia Civil. Isso é uma promoção e um ato de reconhecimento do valor do policial que, quando servia à ditadura, atuava exatamente no setor de "inteligência" e de repressão política. E isto, positivamente, não coaduna com o perfil democrático do nosso governador.


O conselho de um amigo e antigo companheiro: reveja sua decisão, governador


Matéria na Folha relata ainda que fora o delegado Calandra, como assessor do hoje senador Romeu Tuma, que dirigia o Dops em São Paulo quando Montoro assumiu o governo, a pessoa encarregada de "cuidar dos arquivos" que viriam a ser transferidos para a Polícia Federal, tendo desaparecido parte das informações das quais era tutor. Disso me lembro bem, pois assumia eu a Secretaria da Justiça.
O governador certamente se recorda do gesto democrático e de humildade do presidente Fernando Henrique Cardoso ao demitir o delegado Campelo do cargo de diretor do Departamento de Polícia Federal, dias após o haver nomeado. Atendeu a protestos de muita gente, de entidades -eu mesmo escrevi um duro artigo na Folha, argumentando que um ato de nomeação não tem as características de um julgamento em que impera o princípio de que, na dúvida, absolve-se o réu. Um ato de nomeação encerra um juízo de valor sobre as qualidades do funcionário, sua competência, sua adequação para o cargo.
O delegado Calandra deveria estar trabalhando, sim, mas jamais num cargo ligado a processamento de informações, num serviço de inteligência.
Houve, indiscutivelmente, um erro do governador. Acredito que falhou o serviço de inteligência do governo e o secretário da Segurança Pública ao deixar de transmitir ao governador o perfil do delegado. Pois, caso contrário, estaria fazendo um mau juízo de um homem em quem sempre acreditei, a quem sempre creditei o senso de equilíbrio, de seriedade, e que já foi merecedor de meu voto.
Daí o conselho de um amigo e antigo companheiro: reveja sua decisão, governador.

José Carlos Dias, 62, é advogado criminalista. Foi ministro da Justiça (governo Fernando Henrique) e secretário da Justiça do Estado de São Paulo (governo Franco Montoro).


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