São Paulo, segunda-feira, 17 de junho de 2002

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A VOZ DO POVO

Pesquisas divulgadas na semana passada mostram que a ampla maioria dos norte-americanos (quase 80%) está disposta a sacrificar algumas liberdades e direitos civis em troca de segurança. "A voz do povo é a voz de Deus", diriam alguns.
Só que esse adágio é possivelmente um dos mais mal citados da história. Até onde se sabe, o primeiro a empregar a expressão "vox populi, vox Dei" foi o hoje obscuro teólogo inglês Alcuíno (c. 735-804): "Não devem ser ouvidos aqueles que ficam dizendo que a voz do povo é a voz de Deus, pois a impetuosidade da massa está sempre próxima da insânia".
Ao que parece, o governo do presidente George W. Bush está sabendo utilizar em seu favor os temores da população. Desde o 11 de setembro, o Executivo tomou poderes que deveriam, em tese, ser compartilhados com Legislativo e Judiciário. Valendo-se de leis antigas ou de brechas jurídicas, a Casa Branca, sem ouvir o Congresso, anunciou que poderá julgar em tribunais militares membros do Taleban e da Al Qaeda capturados. Também autorizou agentes federais a fazer espionagem doméstica e aniquilou os poucos direitos de que gozavam imigrantes ilegais.
A utilidade dessas medidas no combate ao terror é difícil de avaliar. Por maior que seja o aparato de segurança, o Estado jamais poderá garantir que não ocorrerão ataques terroristas. Já a renúncia a direitos diz respeito ao âmago da democracia. Além da expressão da vontade da maioria, a democracia é a preservação de direitos de minorias ou de indivíduos.
"Quem joga fora a liberdade essencial para obter uma pequena segurança não merece nem liberdade nem segurança". Essa frase não é de nenhum teólogo obscuro do século 8º, mas de Benjamin Franklin, um dos patriarcas dos EUA.



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