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RUY CASTRO
Tarde demais
RIO DE JANEIRO - Há anos, passando em frente a uma lavanderia
da Lapa, algo me chamou a atenção: uma pilha de 50 ou 60 discos
de 78 rpm, no chão, na porta do estabelecimento. Velho fuçador de
sebos, abaixei-me para examinar.
O primeiro da pilha já era espetacular: um disco da gravadora Sinter,
apresentando um choro no lado A e
um "bop" no lado B. Intérpretes:
"Os melhores de 53".
E quem eram "os melhores de
53"? A lista vinha impressa no selo:
entre outros, os saxofonistas Zé Bodega e Cipó; o trompetista Julio Barbosa; o trombonista Nelsinho; o
clarinetista Severino Araújo; o pianista Radamés Gnatalli; o baterista
Luciano Perrone; e outro saxofonista, Paulo Moura. Em 1953, Paulo
Moura tinha 20 anos, mas já podia
sentar-se entre aqueles mestres. E o
fato de o disco conter um choro e
um tema puxado ao jazz indicava
as duas direções de sua carreira.
Folheei os outros discos e nenhum me interessou. Perguntei ao
homem do balcão se estavam à venda. Respondeu que eram de graça
-desde que eu levasse todos. Não
os jogara fora há mais tempo porque tivera pena, um deles poderia
interessar a alguém. Não discuti.
Fiz sinal para um táxi, e o motorista
me ajudou no carreto das bolachas
para o banco traseiro. Já o dos "Melhores de 53" foi a salvo comigo,
preso pelas duas mãos.
E até hoje o tenho. Mas, agora,
com um travo de remorso. Certa
vez, falei desse disco ao próprio
Paulo Moura. Ele disse que já não o
tinha havia décadas e lamentava
que nunca mais voltaria a escutá-lo. Prometi-lhe uma cópia, mas,
com as idas e vindas da vida, o disco sumiu de minhas vistas. Estive
com Paulo muitas vezes, e ele, elegantíssimo, nunca me cobrou. Eu é
que me sentia em dívida.
Pois, esta semana, reencontrei o
disco em casa, numa estante. E me
comovi ao ler o título do choro
-"Agora É Tarde Demais"-, porque Paulo acabara de morrer.
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