São Paulo, terça-feira, 17 de agosto de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A crueldade de agosto

RIO DE JANEIRO - Agosto tem fama de ser um mês cruel. Rima com desgosto, mas rima nunca foi explicação, a começar por aquele Raimundo do poema de Drummond, que não passava de rima e estava longe de ser solução.
Bem verdade que dois presidentes caíram em agosto, Vargas, em 54, e Jânio Quadros, em 61. No primeiro caso, tivemos uma tragédia e, no segundo, tivemos uma comédia que até hoje, por mais explicada que seja, continua sem explicação.
Num agosto dos anos 50, morreu Carmem Miranda, e lembro uma crônica do Antônio Maria falando mal do cinema norte-americano, responsável pela exploração até a morte do nosso principal produto de exportação e, de quebra, o gordo Maria falou mal do mês de agosto, considerando-o cruel.
Pessoalmente, nada tenho contra o mês em curso, da mesma forma que nada tenho contra os outros meses. Pensando bem, algumas vezes cismo com março, não por causa de seus idos que acabaram com César, mas por outros motivos, inclusive porque nasci em março e não confio muito nele nem em mim.
Conheci um sujeito que nasceu em agosto e, contrariando a tradição, a fama de azar que o mês carrega consigo, considerava-se feliz, tudo dava certo para ele, sobretudo em cada mês de agosto.
Num agosto fez a primeira comunhão, num agosto casou-se, ganhou na Loteria Federal, pegou aquela bolada que corria com o Jóquei Clube no Grande Prêmio Brasil, o bilhete dele coube ao cavalo que venceria aquele páreo, entrou numa bolada que dobrou no ano seguinte, quando em agosto morreu-lhe uma tia que lhe deixou bens móveis e imóveis.
Finalmente, num agosto desses, enviuvou da mulher de quem não mais gostava e casou-se, no ano seguinte, no mesmo mês, com uma jovem que tinha a metade de todos os agostos que acumulara.
Tanta e tamanha sorte valeu-lhe um convite para ser senador pelo Rio. Recusou de pronto: "Só aceito se a eleição for em agosto".


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