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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Decifra-me ou te devoro
SÃO PAULO - Em texto publicado
anteontem nesta página, Fernando
Gabeira relacionou a absolvição de
Renan Calheiros com a derrota da
emenda que previa a volta da eleição direta para presidente. Em
1984, disse, apesar da ressaca havia
mobilização -o país "pulsava com
uma nova energia; agora parece
cansado e descrente, depois de duas
décadas de democracia".
Não são, evidentemente, frustrações comparáveis. Cada época tem
as diretas que merece. Mas os mesmos personagens que então vocalizavam a esperança e abriam horizontes são hoje os fiadores do cinismo oficial. Entre este e o lacerdismo de certa oposição a política virou quase disputa entre gangues.
O submundo do governismo busca transformar Renan em mártir da
soberania popular contra o golpismo da mídia ou símbolo de resistência à tirania dos meios de comunicação. A isso chegou parte da tropa lulista. Gente degradada, de alma turva e ideais rebaixados. Seria
melhor se a derrota fosse da mídia.
A comparação entre o revés no
Senado e 84 permite ver as coisas
em perspectiva histórica. E sugere
uma reflexão sobre a dificuldade de
discernir entre avanços e retrocessos na história recente do país.
O príncipe sociólogo e progressista formado no ambiente da esquerda e o maior líder operário da
história brasileira terão nos governado por 16 anos seguidos. É fácil
ver avanço histórico nas eleições de
FHC e de Lula. O êxito deles, porém, se confunde com a frustração
das expectativas em nome das quais
foram eleitos. A culpa não é só da
maré liberal-conservadora, que virou o mundo de ponta-cabeça.
FHC e Lula chegaram lá associados ao atraso. Patrocinaram e deram fôlego a coronéis e caciques do
patrimonialismo. Sempre em nome
da mesma modernização conservadora e pragmática, que, ao cabo, terá revirado tudo, menos o essencial.
Mudaram o país, foram mudados
por ele ou revelaram ser o que sempre foram? E quem se importa?
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