São Paulo, sábado, 17 de dezembro de 2005

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Foi correta a convocação extraordinária do Congresso Nacional?

NÃO

O povo não tem nada a ganhar

LUCIANA GENRO

Pelo menos R$ 15 milhões serão gastos com salários extras para deputados e senadores na convocação extraordinária. É pouco se comparado aos US$ 15,5 bilhões que o Brasil desembolsará como presente de natal ao FMI. Ao mesmo tempo, R$ 25 mil a mais para cada parlamentar é um escárnio contra a população, especialmente contra os que ganham salário mínimo e viram a promessa de Lula de dobrar o seu poder de compra em quatro anos se transformar em um aumento real de míseros 10%. Aliás, o PSOL vai cobrar esse compromisso, e apresentará um estudo demonstrando a viabilidade de cumpri-lo.
Mas, quando contestamos a legitimidade desse privilégio dos parlamentares na reunião de líderes do Congresso, nos responderam que é um "tema menor", uma "mesquinharia". Não creio que seja assim, nem que a maioria das brasileiras e brasileiros pense assim, sobretudo quando estamos falando do Congresso do "mensalão", totalmente desmoralizado, objeto de repúdio popular.
Os mesmos que consideram esse escárnio muito natural e a portas fechadas dizem que é um direito do qual não se pode abrir mão, em público alegam que se trata de não deixar a crise política esfriar e de votar grandes temas de interesse nacional. Alegam até que vão votar a redução do recesso!
Conversa. Ao contrário do que dizem, a convocação extraordinária interessa ao governo e a todos os partidos envolvidos no acordão para absolver os deputados acusados de participar do "mensalão". Na noite de quarta-feira, o plenário decidiu quebrar uma tradição e contrariar a decisão do Conselho de Ética que recomendava a cassação de Romeu Queiroz. O deputado foi absolvido com o argumento de que não utilizou o dinheiro em causa própria. O mesmo argumento que vem sendo usado pelos demais acusados.
Como diz o ditado popular, "onde passa boi, passa boiada". Já podemos antever a absolvição de vários parlamentares, principalmente do PT, principal interessado e fiador do acordo. É aí que entra o papel da convocação extraordinária. Ela vai possibilitar que os processos continuem em andamento no Conselho de Ética, o que poderia ser uma coisa boa, não fosse a intenção cada vez mais explícita de absolvição. Assim, quanto antes forem para o plenário, mais longe estará a campanha eleitoral e menos atenta a população, e, portanto, será mais fácil e menos desgastante absolver os "mensaleiros".
A convocação também servirá ao governo e seus aliados para aprovar projetos de seu interesse, como o fim da verticalização. Isso possibilitará a volta das coligações esdrúxulas e facilitará a vida de Lula, do PMDB, do PL, enfim, de todos os partidos que querem apoiar um candidato a presidente e ter liberdade de alianças nos Estados com os que apóiam outra candidatura. Assim, o PMDB pode eventualmente apoiar Lula e, ao mesmo tempo, aliar-se com o PSDB, por exemplo, no Rio Grande do Sul. Para o presidente do Senado, Renan Calheiros, que sonha em ser vice de Lula, essa medida é fundamental.
O governo também quer enfiar goela abaixo o projeto de lei da Super-Receita, recomendação do FMI que vem sendo implementada em vários países. Um verdadeiro ataque aos recursos da previdência pública. A arrecadação irá direto para o cofre do Ministério da Fazenda, e o pagamento dos aposentados ficará sujeito aos cortes de Palocci. Há grande resistência, mas tudo fica mais fácil na convocação extraordinária.
Não é sem razão que aumenta o repúdio do povo aos políticos, aos partidos e ao Congresso. Também pudera! Quanto mais se vota, pior fica. Vejamos alguns resultados do trabalho dos congressistas nestes três anos: os servidores públicos perderam direitos na reforma da Previdência; os trabalhadores em geral perderam na Lei de Falências -que só beneficiou os bancos; a saúde e a educação seguiram perdendo recursos com a DRU, prorrogada pela reforma tributária, que também prorrogou a CPMF.
Todas essas votações devidamente irrigadas pelo "mensalão". Enquanto isso, qualquer proposta favorável ao povo mofa nas gavetas. Depois de tudo, um presentinho de R$ 25 mil para cada parlamentar. É muito desaforo!
Nossa democracia está fraudada pelo poder econômico, pelas negociatas entre o governo e o Parlamento e de ambos com os interesses privados que financiam as campanhas eleitorais.
Por isso, o PSOL não defende só o fim da remuneração extra dos parlamentares e dos privilégios dos políticos em geral. Defende também a necessidade de construir uma verdadeira democracia, uma democracia dos de baixo, daqueles que historicamente nunca tiveram poder no Brasil. Essa democracia precisa contar com a participação direta do povo e não estar ancorada em instituições apodrecidas pela corrupção e que só representam os interesses dos grandes grupos econômicos e das oligarquias, mas, sim, que reflitam os anseios da grande maioria do povo. Um imenso desafio, fundamental para a construção de uma verdadeira nação.


Luciana Genro, 35, deputada federal (RS), é fundadora do PSOL e membro da Executiva Nacional do partido. É líder da bancada do PSOL na Câmara dos Deputados.


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