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TENDÊNCIAS/DEBATES
Foi correta a convocação extraordinária
do Congresso Nacional?
NÃO
O povo não tem nada a ganhar
LUCIANA GENRO
Pelo menos R$ 15 milhões serão
gastos com salários extras para deputados e senadores na convocação extraordinária. É pouco se comparado aos
US$ 15,5 bilhões que o Brasil desembolsará como presente de natal ao FMI. Ao
mesmo tempo, R$ 25 mil a mais para
cada parlamentar é um escárnio contra
a população, especialmente contra os
que ganham salário mínimo e viram a
promessa de Lula de dobrar o seu poder
de compra em quatro anos se transformar em um aumento real de míseros
10%. Aliás, o PSOL vai cobrar esse compromisso, e apresentará um estudo demonstrando a viabilidade de cumpri-lo.
Mas, quando contestamos a legitimidade desse privilégio dos parlamentares
na reunião de líderes do Congresso, nos
responderam que é um "tema menor",
uma "mesquinharia". Não creio que seja assim, nem que a maioria das brasileiras e brasileiros pense assim, sobretudo
quando estamos falando do Congresso
do "mensalão", totalmente desmoralizado, objeto de repúdio popular.
Os mesmos que consideram esse escárnio muito natural e a portas fechadas
dizem que é um direito do qual não se
pode abrir mão, em público alegam que
se trata de não deixar a crise política esfriar e de votar grandes temas de interesse nacional. Alegam até que vão votar a redução do recesso!
Conversa. Ao contrário do que dizem,
a convocação extraordinária interessa
ao governo e a todos os partidos envolvidos no acordão para absolver os deputados acusados de participar do
"mensalão". Na noite de quarta-feira, o
plenário decidiu quebrar uma tradição
e contrariar a decisão do Conselho de
Ética que recomendava a cassação de
Romeu Queiroz. O deputado foi absolvido com o argumento de que não utilizou o dinheiro em causa própria. O
mesmo argumento que vem sendo usado pelos demais acusados.
Como diz o ditado popular, "onde
passa boi, passa boiada". Já podemos
antever a absolvição de vários parlamentares, principalmente do PT, principal interessado e fiador do acordo. É aí
que entra o papel da convocação extraordinária. Ela vai possibilitar que os
processos continuem em andamento
no Conselho de Ética, o que poderia ser
uma coisa boa, não fosse a intenção cada vez mais explícita de absolvição. Assim, quanto antes forem para o plenário, mais longe estará a campanha eleitoral e menos atenta a população, e,
portanto, será mais fácil e menos desgastante absolver os "mensaleiros".
A convocação também servirá ao governo e seus aliados para aprovar projetos de seu interesse, como o fim da verticalização. Isso possibilitará a volta das
coligações esdrúxulas e facilitará a vida
de Lula, do PMDB, do PL, enfim, de todos os partidos que querem apoiar um
candidato a presidente e ter liberdade
de alianças nos Estados com os que
apóiam outra candidatura. Assim, o
PMDB pode eventualmente apoiar Lula
e, ao mesmo tempo, aliar-se com o
PSDB, por exemplo, no Rio Grande do
Sul. Para o presidente do Senado, Renan
Calheiros, que sonha em ser vice de Lula, essa medida é fundamental.
O governo também quer enfiar goela
abaixo o projeto de lei da Super-Receita,
recomendação do FMI que vem sendo
implementada em vários países. Um
verdadeiro ataque aos recursos da previdência pública. A arrecadação irá direto para o cofre do Ministério da Fazenda, e o pagamento dos aposentados
ficará sujeito aos cortes de Palocci. Há
grande resistência, mas tudo fica mais
fácil na convocação extraordinária.
Não é sem razão que aumenta o repúdio do povo aos políticos, aos partidos e
ao Congresso. Também pudera! Quanto mais se vota, pior fica. Vejamos alguns resultados do trabalho dos congressistas nestes três anos: os servidores
públicos perderam direitos na reforma
da Previdência; os trabalhadores em geral perderam na Lei de Falências -que
só beneficiou os bancos; a saúde e a educação seguiram perdendo recursos com
a DRU, prorrogada pela reforma tributária, que também prorrogou a CPMF.
Todas essas votações devidamente irrigadas pelo "mensalão". Enquanto isso, qualquer proposta favorável ao povo
mofa nas gavetas. Depois de tudo, um
presentinho de R$ 25 mil para cada parlamentar. É muito desaforo!
Nossa democracia está fraudada pelo
poder econômico, pelas negociatas entre o governo e o Parlamento e de ambos com os interesses privados que financiam as campanhas eleitorais.
Por isso, o PSOL não defende só o fim
da remuneração extra dos parlamentares e dos privilégios dos políticos em geral. Defende também a necessidade de
construir uma verdadeira democracia,
uma democracia dos de baixo, daqueles
que historicamente nunca tiveram poder no Brasil. Essa democracia precisa
contar com a participação direta do povo e não estar ancorada em instituições
apodrecidas pela corrupção e que só representam os interesses dos grandes
grupos econômicos e das oligarquias,
mas, sim, que reflitam os anseios da
grande maioria do povo. Um imenso
desafio, fundamental para a construção
de uma verdadeira nação.
Luciana Genro, 35, deputada federal (RS), é
fundadora do PSOL e membro da Executiva Nacional do partido. É líder da bancada do PSOL na
Câmara dos Deputados.
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