São Paulo, domingo, 18 de janeiro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A advocacia que defendemos

LUIZ FLÁVIO BORGES D'URSO

Um dos maiores atributos do advogado é sua moral. E o reconhecimento de suas qualidades depende do talento que possui. Dessa crença, que guiará os meus passos à frente da maior seccional da OAB no Brasil, com cerca de 35% dos advogados brasileiros, serão extraídas as ações voltadas à valorização da atividade profissional, compromisso que assumi e que deverá constituir o eixo central da administração.
Para explicitar essa posição, avoco, de início, o caráter de imprescindibilidade que se impõe à missão do advogado, objeto do art.133 da Carta Magna. Sua interpretação indica que o advogado deixa de ser simples mandatário de um cliente que busca defender direitos para se transformar em servidor da cidadania. Portanto investe-se o advogado de papel relevante no cenário institucional, fato que exige dos dirigentes da OAB cuidadosa avaliação sobre a condição do advogado e os meios para o revigoramento de sua identidade.
Há de se reconhecer, preliminarmente, que a utilidade social da advocacia tem se enfraquecido em razão da crise crônica que estiola a estrutura do Estado brasileiro. Se a Justiça é falha e lenta, beneficiando mais os ricos que os pobres, para a advocacia e outras instituições da administração da Justiça sobram desgastes. Se as três esferas da administração pública funcionam de maneira precária, oferecendo serviços de baixa qualidade, a advocacia também acaba arcando com as conseqüências das deficiências dos aparelhos estatais.


A utilidade social da advocacia tem se enfraquecido em razão da crise crônica que estiola a estrutura do Estado


Percebe-se que o nivelamento por baixo promove, de certa forma, maior grau de desorganização dos serviços, maiores obstáculos ao atendimento de pleitos, o que, por sua vez, abre espaço para menor nível de exigência dos aparatos profissionais, não sendo raros casos de incúria tanto por parte de demandantes quanto de demandados. Tivéssemos um Estado moderno, aparelhado, ágil, a qualidade seria mais alta.
Uma das vertentes da crise do Estado aponta para a própria qualidade do ensino superior. Deu-se ênfase à proliferação de cursos de toda espécie em detrimento de sua qualidade. Dos anos 70 para cá, o Brasil assistiu a uma explosão de escolas, muitas de fachada, que passaram a oferecer projetos educativos de curta duração, amparados em escopos pasteurizados e desqualificados. A área do direito está entre as que mais sofreram com o rebaixamento do nível de ensino. O resultado pode ser medido pelos 450 cursos de direito, uma extravagância, quando se sabe que em um país altamente desenvolvido como os EUA, onde a figura do advogado se faz presente nos pequenos detalhes do cotidiano, há 150 escolas de direito. Lá a formação do advogado exige de sete a oito anos.
Não por acaso, a profissão de advogado tem se agigantado entre nós. São Paulo recebe, por ano, 10 mil novos advogados. Avolumam-se as situações negativas que cercam a atividade profissional, dentre as quais estão os gargalos do mercado de trabalho, o descumprimento constitucional sobre o múnus da advocacia, a existência de leis que segregam o trabalho de advogados e a arrogância e o desrespeito de juízes para com as prerrogativas da profissão. Por onde começar?
Todos os lados merecem atenção. Medidas urgentes se fazem necessárias para aperfeiçoar a formação do advogado, o que está a exigir da OAB proposta mais profunda para o ensino do direito. Para abrigar os quadros profissionais, exigir-se-á o rígido cumprimento constitucional, incentivando-se o serviço de advogados em todos os tipos de ações, inclusive nos juizados especiais e nos sistemas de soluções alternativas de conflitos. Para criar tal obrigatoriedade, que proporcionará aos mais carentes acesso à Justiça, projeto de lei deverá ser encaminhado ao Congresso.
No que concerne às prerrogativas da profissão, não há como deixar de observar que alguns de nossos juízes agem com estufada arrogância ou não disfarçando a inexperiência, até em função da juvenilidade que se observa nos espaços do Judiciário. Não podemos deixar que essa torrente de tensões continue a abater a categoria. A OAB-SP exigirá entre o advogado e a autoridade judiciária ou administrativa tratamento equivalente às responsabilidades constitucionais de cada um na aplicação e no cumprimento da lei e do direito.
No plano institucional, a missão da Ordem deverá estar voltada intensa e permanentemente à reformulação do Estado, na perspectiva de incorporação de mecanismos e sistemas capazes de garantir a consolidação das estruturas. Há, por exemplo, uma pendência que deverá merecer a atenção prioritária da OAB: a revisão constitucional. Temos uma Constituição com cerca de 50 emendas. Se as reformas continuarem no ritmo dos últimos tempos, chegaremos, nos próximos anos, a mais de cem emendas, o que levará a uma imensa dificuldade de interpretação da Carta Magna. Como a revisão será feita é uma questão que merecerá nossa atenção.
Passos urgentes precisam ser dados nos caminhos das reformas do Judiciário, política, trabalhista e sindical, cujo escopo há de se afinar à realidade das mudanças necessárias, escoimado em valores como ética, moralidade, solidariedade, justiça para todos, fidelidade a princípios, transparência e honestidade de propósitos. Temos muito a ver com a estrutura de um novo modelo de Estado, na crença de que sua modernização virá ao encontro do anseio social de melhorar os padrões de vida.

Luiz Flávio Borges D'Urso, 43, advogado criminalista, mestre e doutor pela USP, é o presidente da OAB-SP.


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