São Paulo, quarta, 18 de março de 1998

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NO FUNDO DO POÇO

O Brasil aparece mais uma vez no fundo do poço dos rankings que comparam as condições de vida de diversos países. Agora foi a vez da lista das prisões, preparada por uma organização não-governamental e reconhecida pela Comissão de Direitos Humanos da ONU. Vale lembrar que tais relatórios retratam uma situação em dado momento, deixando de lado progressos ou iniciativas para torná-la mais tolerável, e que o critério de comparação e de classificação é um assunto sempre espinhoso. Essas avaliações, ademais, não estão isentas de sentido político, a começar pela escolha da lista de países sujeitos ao julgamento mundial.
Feitas todas essas ressalvas, não se pode negar que a situação para a qual o relatório da Human Rights Watch chama a atenção, a dos cárceres brasileiros, é evidentemente grave e intolerável. Afinal, este é o país do Carandiru e de morticínios menores, mas cotidianos, da degradação lenta do preso em prédios insalubres, que não passam de escolas de crime. Este é o país que só recentemente, com desesperadora lentidão, começou a criar condições para que o cumprimento da pena se dê de forma mais humana e socialmente eficaz -caso das chamadas penas alternativas.
Mas é quase questão subsidiária, de diagnóstico ademais subjetivo, saber se o país está entre os dez ou vinte piores no quesito barbárie carcerária, e em qual companhia, embora tal classificação suscite uma pressão humanitária internacional que pode ser benéfica. Evidentemente, não haveria motivo para queixa se o país pudesse se comparar à Dinamarca.
Mas, mais relevante é o significado da selvageria das prisões no contexto das condições tão ou mais lamentáveis da sociedade brasileira. O massacre dos condenados e detidos é apenas uma das manifestações da carência quase total de direitos dos mais pobres. É um aspecto da violência contra todos aqueles sem perspectiva de casa, escola, trabalho e alimentação decentes, os últimos ocupantes do ranking social do país.



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