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São Paulo, quarta-feira, 18 de junho de 2003

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TENDÊNCIAS/DEBATES

A crise da ONU e o "uso da força"

CARLOS DE MEIRA MATTOS

Nomeando o diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello para a sua alta representação no Iraque, a ONU está tentando recuperar o seu crédito internacional. Seu prestígio, como organização mundial, ficou profundamente abalado no caso da guerra no Iraque, ao ser ultrapassada na sua missão fundamental de preservar a paz e a segurança.
A guerra no Iraque, desencadeada pelos Estados Unidos e pela Inglaterra, dois dos cinco membros efetivos do Conselho de Segurança, violando o cumprimento do artigo 51 da Carta da ONU que dispõe sobre o "uso da força", comprometeu e enfraqueceu o prestígio da organização mundial como mantenedora da paz.
Em longo artigo publicado na revista "Foreign Affairs", o articulista Michael J. Glennon historia os precedentes e as consequências das violações que, nos últimos 70 anos, ocorreram nas duas maiores instituições mundiais, a antiga Liga das Nações e a ONU, resultando na extinção da primeira e no desprestígio da segunda.
Glennon aponta como "nó górdio" das organizações internacionais destinadas à preservação da paz e segurança mundiais a incapacidade de exercerem suas atribuições quando se refere ao "uso da força", ou seja, a intervenção militar contra um país infrator, como último argumento de coação coletiva.
Reforçando essa sua observação, lembra o citado autor que o toque de misericórdia que enterrou a Liga das Nações foi a ação bélica da Itália fascista, que em 1935 invadiu a Abissínia (hoje Etiópia), ultrapassando as atribuições do então organismo internacional.
Agora, no caso da guerra no Iraque, novamente foi no tocante ao "uso da força", previsto no artigo 51 da Carta da ONU, que se desentenderam os países membros efetivos do Conselho de Segurança, os únicos que dispõem do direito de veto.


À decisão militar de defesa importam condições de tempo e espaço que a morosidade das decisões coletivas não satisfaz


Os Estados Unidos e a Inglaterra decidiram ultrapassar o tratado na Carta, da qual são principais signatários, e partir para uma ação militar contra o Iraque, ignorando o compromisso com a ONU, que, como organismo responsável pela manutenção da paz e da segurança, ficou gravemente comprometida.
Argumentando sobre a razão de os compromissos sobre segurança coletiva serem violados sempre que são colocados diante de crises graves que induzem o emprego militar por decisão multilateral, o articulista da "Foreign Affairs" observa que, "quando um país se sente diante de uma forte ameaça à sua defesa, não se conforma em entregar o seu direito de se defender a decisões alheias, de outros países ou de instituições internacionais".
À decisão militar de defesa importam condições de tempo e espaço que a morosidade das decisões coletivas não satisfaz.
Alegando estarem convencidos de que a defesa de seus países estava sob a ameaça iminente de ataques de destruição em massa pelo terrorismo internacional, apoiado particularmente pelo governo de Bagdá, os governos de Washington e Londres partiram para a guerra preventiva -atacar antes de serem atacados.
Vários comentaristas internacionais não acreditam que essa guerra preventiva, ultrapassando o órgão de segurança coletiva, tenha sido motivada apenas por razões de defesa, agregando ambições econômicas visando o controle de região rica em petróleo. Entretanto, aceite-se ou não a autenticidade da tese de defesa no caso particular do Iraque, tem sido essa tese, indubitavelmente, o motivo das maiores crises de sobrevivência por que passaram e passam os organismos responsáveis pela paz e pela segurança internacionais.

Carlos de Meira Mattos, 89, doutor em ciência política, general reformado do Exército, é veterano da Segunda Guerra Mundial e conselheiro da Escola Superior de Guerra.


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