São Paulo, sexta-feira, 18 de junho de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

CONFLITO ISRAELO-PALESTINO

Dois pesos e duas medidas

FARID SUWWAN

Escutam-se freqüentemente, a respeito do conflito palestino-israelense, colocações como "esse conflito sempre existiu" ou "isso não tem solução". Porém esse "sempre" começou em 1948. E solução existe, sim: passa pelo reconhecimento da equivalência dos direitos de dois povos.
O sionismo, para o povo palestino, significou destruição e ocupação. Diferente e pior do que os velhos colonialismos ocidentais, excluía-os até mesmo do Estado colonial. A Palestina, o território ancestral, deixou de existir. Entre teorias, racismos europeus, duas grandes guerras e o Holocausto, sobrou para os palestinos. Muitos judeus dirão, porém, que a criação do Estado de Israel era uma questão de sobrevivência. Seja como for, toda ocupação gera resistência, geralmente armada, do povo ocupado. Chamar a essa resistência de terrorismo nada resolve. Para o povo palestino é uma questão de sobrevivência. Resistência é efeito, não causa, da ocupação.
O impasse entre um Estado ocupante e um povo que luta para constituir seu Estado na terra ocupada poderia ter chegado ao fim com o Acordo de Oslo, de 1993. Não foi assim, pois sucessivos governos israelenses dobraram o número de colonos nos territórios ocupados, expandiram e criaram colônias, em contradição com todo o acordado. Quem pretende desocupar um território não cria obstáculos desse porte. Foi nos assentamentos (todos eles ilegais, de acordo com a ONU), nos colonos e nas modificações demográficas implementadas por Israel que o plano de paz esbarrou, não na intransigência palestina ao não aceitar generosas ofertas, como foi dito na época. Essas ofertas, sabemos hoje, não existiram, retiradas que foram pelo governo israelense em Taba (Egito), às vésperas do fechamento de um acordo.


Se a opinião pública expressa seu repúdio às práticas israelenses, vem a acusação infamante de anti-semitismo


Foi mais fácil culpar os palestinos. Afinal, Israel, na posição de vencedor, estava fazendo concessões.
No entanto, se prevalecer essa visão de concessão, será muito difícil desbloquear o caminho da paz. A legitimidade da reivindicação palestina deve ser reconhecida sem reservas, como contraponto ao reconhecimento do Estado de Israel. A sociedade palestina votou maciçamente na opção pela paz, na primeira e única ocasião em que lhe foi permitido se manifestar livremente.
A política israelense de negociar e ao mesmo tempo criar condições que tornam impossível qualquer acordo precipitou o fim. O levante palestino de 2000 foi motivado pelo fracasso de Oslo, não importando qual foi o estopim. A reposta israelense foi a da violência esmagadora, institucional, já que exercida pelas Forças Armadas, levando à atual situação, aparentemente sem saída.
Em 2002 as áreas sob controle palestino foram reocupadas. Começou então a tarefa da destruição física do esboço de Estado palestino. O presidente da Autoridade Nacional Palestina (eleito democraticamente, goste-se ou não) foi confinado. Sua integridade física depende da vontade de Israel, situação aplicável a todo o povo palestino sob ocupação. A vida depende de decisões do governo israelense. Moderados são os que acatam a ocupação. Os negociadores de Oslo foram desmoralizados, não são mais parceiros, tornaram-se irrelevantes.
O muro que Israel constrói em terras palestinas é o ponto final para as esperanças de paz. Corta o território ocupado da Cisjordânia, deixando de um lado as áreas que talvez sejam devolvidas e do outro aquelas que serão anexadas. O Estado palestino seria apenas a metade da Cisjordânia (11% do território original da Palestina), fragmentada, cortada por estradas só para judeus e cercada por um muro. Acabou o Estado palestino viável. Tampouco Israel cogita integrar a população palestina como cidadãos de pleno direito. Os palestinos não são judeus, logo não têm direito à cidadania, mesmo que eles, seus pais, avôs e trisavôs tenham nascido na terra palestina, hoje tornada israelense pela ocupação.
Qual é a saída, se não haverá Estado nacional nem integração? Devem os palestinos sumir?
Assistimos ao estrangulamento econômico, à destruição da infra-estrutura e das instituições e a uma matança lenta, por vezes "seletiva", por vezes não. Se a opinião pública fica chocada e expressa seu repúdio às práticas israelenses, vem a acusação infamante e paralisante de anti-semitismo. Se todo aquele que critica o Estado de Israel é um anti-semita que merece ser difamado, esse adjetivo logo perderá o seu valor. Anti-semitas são os racistas antiárabes e antijudeus e, como racistas, devem ser denunciados. Israel é passível de crítica e de denúncia, sujeito às normas do direito internacional, e não uma exceção entre as nações, com permissão para ocupar, anexar, discriminar e executar.
O povo palestino não vai sumir, não vai aceitar a deportação, não vai fugir em pânico perante o poderio israelense. Só existem duas saídas: ou um Estado palestino cobrindo todo o território palestino ocupado em 1967 (22% da Palestina), com uma solução para os refugiados embasada no direito internacional e nas resoluções da ONU, ou então a integração de palestinos e israelenses em um Estado único, binacional, abrangendo todo o território da Palestina, com direitos e deveres iguais para todos.
As injustiças não melhoram com o tempo, apenas se perpetuam.

Farid Suwwan, 55, médico, é presidente da Confederação Palestina do Brasil e presidente honorário da Confederação Palestina da América Latina e Caribe. Foi representante da OLP no Brasil de 1979 a 1989.


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