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CLÓVIS ROSSI
A síndrome de Jayson Blair
MADRI- Jayson Blair é aquele jornalista de "The New York Times" demitido, com escândalo, por inventar
histórias ou por copiá-las de outros
jornais e assumi-las como suas.
Temo que o jornalismo brasileiro
venha sendo infectado por um tipo de
mentalidade parecida.
Pego, para exemplificar, o caso do
terno usado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva no jantar de gala
oferecido pelo rei da Espanha em
contraponto à casaca vestida pelos
espanhóis presentes.
Ficou no ar se houve ou gafe ou
uma tola resistência ideológica.
Bobagem. Desde os primeiros acertos sobre a agenda da visita, o Itamaraty dissera ao governo espanhol que
a casaca caíra em desuso fazia tempo
no Brasil e que, portanto, cada delegação deveria usar o padrão habitual
(casaca x terno escuro).
Não foi feita a mais leve objeção,
até porque os espanhóis deixaram
claro que havia antecedentes de outros chefes de Estado que usaram terno porque assim recomendava o seu
próprio cerimonial.
Tão simples que a mídia espanhola
não deu nem uma mísera vírgula para o contraste. Ou seja, quem está habituado à pompa e, por isso, deveria
ficar chocado com o comportamento
supostamente bárbaro da comitiva
brasileira nem o notou.
E não é que os jornais da terra tenham ignorado a visita de Lula. Bem
ao contrário. Tanto que, ontem, os
dois principais jornais espanhóis ("El
País" e "El Mundo") deram o principal título de capa para a "aliança estratégica" decidida entre os dois governos, além de editoriais -aliás,
simpáticos em ambos os casos.
O caso da casaca x terno ilustra, temo, uma certa tendência para o espetáculo em vez da informação, para o
frívolo em vez do essencial, para a interpretação apressada em vez da devida checagem.
Se é assim, sinto dizer aos companheiros que nem dá para culpar os
patrões e os chefes, os suspeitos de
sempre. São no máximo cúmplices,
porque a síndrome começa com os
que estamos na linha de frente, como
Jayson Blair.
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