São Paulo, domingo, 18 de agosto de 2002

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EDITORIAIS

MERGULHO À JAPONESA?

Tão frequentes são as comparações entre a década de estagnação econômica japonesa e os rumos cada vez mais incertos da economia norte-americana que o presidente do banco central dos Estados Unidos está sendo chamado de "Greenspan San" (sr. Greenspan).
Não se trata da hipótese mais pessimista, de um colapso financeiro seguido por uma grande depressão, como ocorreu nos EUA a partir da crise de 29. No caso do Japão e, talvez, dos EUA, o cenário predominante é o de uma longa estagnação em que a economia cresce pouco, ou seja, abaixo de sua capacidade.
Economistas como Paul Krugman, professor do prestigioso Instituto de Tecnologia de Massachusetts, que até pouco tempo atrás criticavam a aproximação entre as situações norte-americana e japonesa, começam a rever os seus modelos. O baixo dinamismo da economia pode criar tantos problemas quanto a recessão pura e simples.
Aliás, a crise japonesa, no início dos anos 90, tornou popular a crítica ao modelo japonês de capitalismo. No final dos anos 90, quando o resto da Ásia mergulhou na crise, a crítica aos exotismos do capitalismo oriental, sobretudo à corrupção e à falta de transparência de seus sistemas contábeis, era lugar-comum entre investidores, técnicos e burocratas de instituições multilaterais. Se na América Latina imperava o chamado "Consenso de Washington", para o resto do mundo valia um desprezo ostensivo pela suposta má governança nos modelos asiáticos.
Hoje, os Estados Unidos exibem indicadores cada vez mais frustrantes de produtividade, sofrem uma onda de imoralidade contábil e padecem, como no caso do Japão, com o fim de um forte ciclo especulativo. Para Krugman, o fantasma de uma crise no mercado imobiliário também começa a rondar a economia norte-americana.
Uma lição que se pode tirar da análise do caso japonês é a de que o Estado demorou para agir e foi tímido quando atuou. Na semana passada, o Fed (banco central dos EUA) manteve inalterada a taxa básica de juros, contrariando expectativas.
Enquanto Greenspan acompanha a lentidão da economia com uma paciência oriental, fala-se cada vez mais nos EUA em desemprego estrutural. Nesse cenário, o crescimento lento da economia é incapaz de reanimar o mercado de trabalho.
O Estado mal consegue reagir, pois a desaceleração econômica derruba a arrecadação de impostos e fragiliza também a capacidade de uso do gasto público como política de reativação. Torna-se cada vez mais difícil identificar fontes de dinamismo para a economia dos EUA.
O estouro da bolha especulativa no mercado financeiro acentua o desaquecimento da economia, produzindo uma forte retração dos investimentos e o enxugamento de praticamente todas as formas de crédito.
A retomada do crescimento depende da recuperação dos investimentos. Mas eles só voltam quando há crédito e confiança nos mercados de capitais. No entanto, a crise nas Bolsas de Valores é também, hoje, uma crise de valores, com o desmoronamento de quase um século de confiança em práticas de auto-regulação do mercado de capitais.
A crise econômica japonesa tem sido forte e prolongada. A hipótese de um mergulho semelhante na maior economia do mundo, infelizmente, não pode ser desprezada.


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