São Paulo, quarta-feira, 18 de agosto de 2004

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CLÓVIS ROSSI

Inacreditável

SÃO PAULO - Se eu fosse justo, doaria boa parte do meu salário para o governo. Afinal, o atual governo é, para parafrasear José Simão, o "governo da coluna pronta".
Ninguém precisa se preocupar em buscar argumentos. Eles vêm prontinhos, quentinhos, como se vê agora no caso da medida provisória que dá ao cargo de presidente do Banco Central o status de ministro.
Qualquer leitor, mesmo o mais distraído, só pode tirar uma conclusão: é confissão de culpa. Exatamente na hora em que o atual presidente do BC está sob investigação do Ministério Público, vem uma MP e joga qualquer ação judicial contra Henrique Meirelles para o STF (Supremo Tribunal Federal).
Não impede eventual punição, como é óbvio, mas torna o processo suficientemente tortuoso para dificultar o seu andamento.
Destrói, ao mesmo tempo, toda a linha de defesa em favor da autonomia do BC. Quem pediu e obteve a proteção de um padrinho, no caso o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, fica devedor para o resto da vida e perde a capacidade de tomar decisões autônomas.
Desmoraliza-se, por fim, o instrumento da medida provisória. A Constituição determina que ela só deve ser utilizada em casos de "relevância e urgência". Nem por mágica vai-se conseguir demonstrar uma ou outra para o, digamos, habeas corpus preventivo em favor de Meirelles.
É evidente que, muito possivelmente, o Congresso aprovará a MP, porque se transformou em mero apêndice do Executivo.
Tudo somado, aumenta a suspeição. Em um país naturalmente inclinado -com montanhas de razão- a desconfiar de suas autoridades, a MP apenas fará com que o distinto público imagine que há muitas outras denúncias, bem mais cabeludas, além das que já surgiram contra o presidente do BC.


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