São Paulo, quinta-feira, 18 de setembro de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES O inimigo do povo
CAETANO LAGRASTA NETO
Quer parecer, entretanto, que isso não aproveitaria o governo, salvo se obnubilado pelo poder numa perigosa aproximação à tirania. Servirá, então, aos membros do Legislativo? Crê-se que não, nada obstante nada façam para defender ou para promulgar urgentes leis que afastem a crise do Judiciário. Bem, se não aproveita aos demais Poderes, a quem interessará denegrir a magistratura nacional? Deixando de lado aqueles que sofreram derrota jurídica ou se mostram insatisfeitos com insuportáveis atrasos na prestação jurisdicional, esse caos de incredulidade e desrespeito serve, e bem, aos inconfessáveis anseios da delinquência, organizada ou não. Assim, de nada adiantam as constantes advertências dos presidentes do Supremo Tribunal Federal ou do Tribunal Superior Eleitoral de que esta geração não conseguirá ver restabelecidos os parâmetros éticos e morais de respeitabilidade ao Poder Judiciário -o que, num país em que a democracia apenas engatinha, não é pouco. Apregoa-se, e publicam-se, inúmeras fanfarronices, como a de que os juízes são o inimigo do povo e que somente reagem quando feridos, mortalmente, diga-se, em sua prerrogativa constitucional de vencimentos e aposentadoria dignos. O que, não há negar, é verdade! O juiz não cria ou apóia fatos políticos, ele os julga, para isso submetendo-se a prolongada formação acadêmica e disputadíssimo concurso público. A independência econômico-administrativa do Poder Judiciário nunca foi concretizada, submetendo-o a toda sorte de humilhações, sem contar com mudanças legislativas inconstitucionais, como a que impediu o juiz estadual de julgar o respectivo governador, num evidente esvaziamento da Federação e inexplicável inchaço da Justiça Federal. Acresce que depende o juiz de seus órgãos de cúpula para a defesa das prerrogativas e integridade da classe ou para promover uma imediata reforma administrativa ou da legislação processual. Sujeita esta às designações do Parlamento, enquanto aquela sucumbe às eleições dos órgãos diretivos, ao menos nos tribunais inferiores e nos órgãos especiais, ao critério exclusivo e duvidoso de candidatos obrigatoriamente escolhidos dentre os mais antigos. Por fim, mostra-se inútil a tentativa de diminuir o número de recursos, ainda que observados dados estatísticos confiáveis, que, apesar dos 430 mil recursos represados nos tribunais de São Paulo, sofre ferrenha oposição da Ordem dos Advogados. O que se há de admitir é a retomada das discussões sobre a reforma da Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que, ao afastar os óbices de uma reforma da Constituição, deverá trazer soluções rápidas e objetivas, sem menoscabo à função jurisdicional e sem que se olvidem as palavras do magistrado Giovanni Falcone, pouco antes de seu brutal assassinato, quando enfatiza que, para o crime organizado, é necessário "deslegitimar para isolar. Isolar para deslegitimar. E, só então, pode-se matar" (cf. Luciano Violante, "Il Ciclo Mafioso", Editori Laterza, 2002). Caetano Lagrasta Neto, 60, é desembargador do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e secretário-executivo do Centro Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais. Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Benedita da Silva: Infância perdida Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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