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CARLOS HEITOR CONY
O menino triste
RIO DE JANEIRO - Semana passada, escrevi sobre o marinheiro triste, poema de Manuel Bandeira que é recorrente na minha vida e na vida de
muita gente. Hoje falo do menino
triste, que é mais ou menos a mesma
coisa.
Tive um amigo que passou por
transe amargo. Casado, bem casado
por sinal, foi intimado pela Justiça.
Uma mulher entrara com uma ação
de paternidade. Alegando que tivera
um caso com ele, e que deste caso tivera um filho, exigia que o pai reconhecesse o garoto.
Naquele tempo não havia teste de
DNA. Nem prova cientificamente válida para provar ou negar uma paternidade. Um processo desses limitava-se a provas testemunhais e, eventualmente, à semelhança do filho, já
adulto, com o pai -prova que podia
ser contestada, mas que, em princípio, obrigava o pai a reconhecer o
menino.
Não era o caso. O menino andava
pelos 10, 11 anos. Mesmo assim, o juiz
ordenou um encontro do pai com o
filho. Marcada a audiência no cartório respectivo, o meu amigo acordou
no dia indicado pelo oficial de Justiça, a mulher deu-lhe uma força, garantindo que acreditava nele, nele
acreditaria sempre.
Duas horas depois, ele voltava para
casa, de cabeça baixa, baixo o moral.
A mulher perguntou como tinha sido. Ele abanou os braços, derrotado.
Havia reconhecido o filho.
Desabou numa poltrona, sem coragem de encarar a mulher. Mas como?
Ele nunca escondera o caso que tivera com aquela mulher, mas sempre
garantira que tudo não passara de
um episódio breve, sem profundidade, que não deixara cicatrizes em nenhum dos dois envolvidos. E de repente, um filho.
Como explicar à mulher? Sim, encontrara o garoto. Era magro, silencioso e triste. Olharam-se pouco. O
juiz perguntou se reconhecia o menino. Ele disse que sim. A mulher quis
saber por quê. Ele respondeu: "É tão
triste que só pode ser filho meu".
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