São Paulo, segunda-feira, 18 de outubro de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

O menino triste

RIO DE JANEIRO - Semana passada, escrevi sobre o marinheiro triste, poema de Manuel Bandeira que é recorrente na minha vida e na vida de muita gente. Hoje falo do menino triste, que é mais ou menos a mesma coisa.
Tive um amigo que passou por transe amargo. Casado, bem casado por sinal, foi intimado pela Justiça. Uma mulher entrara com uma ação de paternidade. Alegando que tivera um caso com ele, e que deste caso tivera um filho, exigia que o pai reconhecesse o garoto.
Naquele tempo não havia teste de DNA. Nem prova cientificamente válida para provar ou negar uma paternidade. Um processo desses limitava-se a provas testemunhais e, eventualmente, à semelhança do filho, já adulto, com o pai -prova que podia ser contestada, mas que, em princípio, obrigava o pai a reconhecer o menino.
Não era o caso. O menino andava pelos 10, 11 anos. Mesmo assim, o juiz ordenou um encontro do pai com o filho. Marcada a audiência no cartório respectivo, o meu amigo acordou no dia indicado pelo oficial de Justiça, a mulher deu-lhe uma força, garantindo que acreditava nele, nele acreditaria sempre.
Duas horas depois, ele voltava para casa, de cabeça baixa, baixo o moral. A mulher perguntou como tinha sido. Ele abanou os braços, derrotado. Havia reconhecido o filho.
Desabou numa poltrona, sem coragem de encarar a mulher. Mas como? Ele nunca escondera o caso que tivera com aquela mulher, mas sempre garantira que tudo não passara de um episódio breve, sem profundidade, que não deixara cicatrizes em nenhum dos dois envolvidos. E de repente, um filho.
Como explicar à mulher? Sim, encontrara o garoto. Era magro, silencioso e triste. Olharam-se pouco. O juiz perguntou se reconhecia o menino. Ele disse que sim. A mulher quis saber por quê. Ele respondeu: "É tão triste que só pode ser filho meu".


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