São Paulo, sexta, 18 de dezembro de 1998

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O direito de matar

CLÓVIS ROSSI

Londres - Debater se o ataque ao Iraque tem ou não algo a ver com o processo de impeachment do presidente Bill Clinton é correr o risco de alvejar o acessório e omitir o essencial.
A pergunta central é a seguinte: que direito têm os Estados Unidos de matar gente a pretexto de evitar que Saddam Hussein possa fazê-lo amanhã ou depois?
Se as vítimas fossem apenas militares iraquianos, a resposta ainda poderia ser positiva, usando o argumento meio cínico, mas em todo caso argumento, de que guerra é guerra. Mas é praticamente impossível evitar vítimas inocentes quando os ataques são lançados, como está ocorrendo agora, a partir de navios e aviões.
Nessas circunstâncias, para as vítimas e seus familiares, tanto faz que a morte lhes chegue a partir de ordens dadas por um ditador abominável, como Saddam, ou por um mandatário democraticamente eleito.
É até razoável o argumento de que não restava outra opção aos EUA (e ao Reino Unido, seu incondicional aliado). Saddam é, como o descreveu Tony Blair, o premiê britânico, um "serial breaker of promises" (um quebrador de promessas em série).
Mas é igualmente razoável supor que, se nem os bombardeios muito mais maciços e continuados da Guerra do Golfo (1991) serviram para eliminar a ameaça representada pelo ditador, muito menos servirão agora ações mais ou menos seletivas durante dois ou três dias.
Chega-se, aí, a um certo cruzamento com o caso do ditador chileno Augusto Pinochet. Se o mais alto tribunal britânico acha que Pinochet pode ser julgado fora do seu país por crimes nele cometidos, o passo seguinte deveria ser julgar -e condenar- igualmente ditadores na ativa e não na reserva.
Mas, para isso, o mundo precisa criar uma instância internacional eficaz até para aliviar os EUA do fardo de se comportarem como atrabiliária polícia dos bons modos planetários.



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