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O direito de matar
CLÓVIS ROSSI
Londres - Debater se o ataque ao Iraque tem ou não algo a ver com o processo de impeachment do presidente
Bill Clinton é correr o risco de alvejar
o acessório e omitir o essencial.
A pergunta central é a seguinte: que
direito têm os Estados Unidos de matar gente a pretexto de evitar que Saddam Hussein possa fazê-lo amanhã ou
depois?
Se as vítimas fossem apenas militares iraquianos, a resposta ainda poderia ser positiva, usando o argumento
meio cínico, mas em todo caso argumento, de que guerra é guerra. Mas é
praticamente impossível evitar vítimas inocentes quando os ataques são
lançados, como está ocorrendo agora,
a partir de navios e aviões.
Nessas circunstâncias, para as vítimas e seus familiares, tanto faz que a
morte lhes chegue a partir de ordens
dadas por um ditador abominável, como Saddam, ou por um mandatário
democraticamente eleito.
É até razoável o argumento de que
não restava outra opção aos EUA (e
ao Reino Unido, seu incondicional
aliado). Saddam é, como o descreveu
Tony Blair, o premiê britânico, um
"serial breaker of promises" (um quebrador de promessas em série).
Mas é igualmente razoável supor
que, se nem os bombardeios muito
mais maciços e continuados da Guerra do Golfo (1991) serviram para eliminar a ameaça representada pelo ditador, muito menos servirão agora
ações mais ou menos seletivas durante
dois ou três dias.
Chega-se, aí, a um certo cruzamento
com o caso do ditador chileno Augusto Pinochet. Se o mais alto tribunal
britânico acha que Pinochet pode ser
julgado fora do seu país por crimes nele cometidos, o passo seguinte deveria
ser julgar -e condenar- igualmente
ditadores na ativa e não na reserva.
Mas, para isso, o mundo precisa
criar uma instância internacional eficaz até para aliviar os EUA do fardo
de se comportarem como atrabiliária
polícia dos bons modos planetários.
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