São Paulo, sexta-feira, 19 de janeiro de 2007

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A gestão dos hospitais públicos

RAUL CUTAIT

É desafiante a mudança de paradigmas administrativos atrelados à lógica do setor público que se mostram pouco eficientes e eficazes

O ANO de 2007 apenas começa e traz consigo alguns problemas crônicos relacionados com o setor público da saúde, responsável pelo atendimento de quase 80% dos brasileiros. Entretanto, chega gerando esperança e estimulando reflexões e ponderações, tendo em vista o cenário atual, com novos governantes e novos compromissos.
Desde a constituição do SUS (Sistema Único de Saúde), em 1988, houve consideráveis avanços em diversas áreas das atenções de saúde no nosso país, embora o objetivo de assistência com universalidade e eqüidade ainda esteja longe de ser alcançado, em decorrência da clássica tríade: financiamento insuficiente, gestão ineficaz e treinamento inadequado de recursos humanos.
Talvez a área mais difícil de conseguir importantes mudanças do perfil de atendimento seja a hospitalar -responsável por 11,5 milhões de internações/ano e 1,5 milhão de cirurgias/ano-, na qual o momento e as condições do atendimento (acesso e qualidade) podem fazer a diferença entre a cura e a paliação, o sofrimento e o lenimento, a vida e a morte.
Os recursos econômicos disponibilizados pelos três níveis de poderes para o atendimento hospitalar são insuficientes para o custeio e, mais do que isso, não contemplam os necessários investimentos para modernização dos hospitais e incorporação de novas tecnologias diagnósticas e terapêuticas, bem como para o treinamento continuado dos profissionais de saúde, figuras-chave do sistema e cujas atitudes e decisões afetam os resultados e os custos do atendimento.
Se a busca por mais financiamento é infindável, não menos desafiante é a mudança de alguns paradigmas administrativos atrelados à lógica do setor público e que vêm se mostrando, ao longo do tempo, pouco eficientes e eficazes. Refiro-me, especialmente, ao modelo da administração direta, que precisa ser reavaliado, uma vez que tem se mostrado pouco capaz de incorporar modernas práticas gerenciais que, rotineiras no setor privado, permitem gerar aumento de produtividade, racionalização de custos e melhoria do atendimento médico.
Fórmulas alternativas, como a das OSs (Organizações Sociais), implantada em alguns hospitais de São Paulo, em que instituições de caráter filantrópico fazem a gestão de alguns hospitais públicos, devem ser melhor conhecidas e ampliadas.
Desde o início da implementação das OSs, em 1998, observa-se um constante amadurecimento de um modelo que, de forma quase que inusitada no setor, vem sendo submetido a contínuo processo de avaliação, com o controle rígido do Estado.
Segundo dados da Secretaria da Saúde, hospitais administrados por OSs apresentam um aumento de 37% de produtividade com uma diminuição de custos de 25% em relação àqueles geridos em regime de administração direta. Uma das restrições relacionadas à expansão das OSs é não encontrar instituições filantrópicas aptas e dispostas a participar dessa proposta.
Assim, torna-se necessário debater outras alternativas, tais como a controvertida, mas não absurda, contratação da iniciativa privada para executar a gestão de hospitais públicos. O apoio de fundações privadas de direito público para hospitais de grande porte ou ligados a universidades não pode ser descartado, pois elas se mostraram úteis, desde que bem gerenciadas.
É preciso encontrar novos caminhos e aprimorar os que trazem melhorias. Contudo, quaisquer que sejam os modelos administrativos adotados, é imprescindível que sejam respeitados os princípios e a lógica do SUS e que o Estado não deixe de exercer suas funções precípuas de planejador, normatizador e controlador do sistema, visando o mais profundo respeito às instituições públicas e aos recursos nelas aplicados, em prol de atendimento digno da população.


RAUL CUTAIT, 56, cirurgião gastrenterologista, é professor associado do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina. Foi secretário da Saúde do município de São Paulo (gestão Paulo Maluf).

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