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VINICIUS TORRES FREIRE
Vergonhas
SÃO PAULO - ACM chamou Eliseu
Padilha, ora ministro dos Transportes, de Eliseu Quadrilha, e nada. Chamou os presidentes do Senado e da
República de ladrões. E nada.
Finos analistas políticos dizem que
"a estratégia do Planalto" é deixar
ACM falando sozinho, que assim ele
murcha. Outros insinuam que o senador baiano já seria inimputável.
Muita gente acha mesmo que o melhor é abafar o caso, recolher-se antes
que ACM dê mais tiros no salão. Enfim, fica subentendido que o país tolera ladrões, bandoleiros ou caluniadores entre suas maiores autoridades.
Não deve ser à toa que a expressão
"cara-de-pau" se diga no Brasil de
modo tão típico e sugestivo, apesar de
ser genérica a ponto de descrever várias manifestações de falta de caráter.
Há diversidade e demasia de desavergonhados, os quais porém não
existiriam sem a contribuição da tolerância no mau sentido, da "nonchalance", do nem-te-ligo nacional.
Não se trata aqui só do fato de ninguém pedir explicações sobre acusações criminosas ou de resignar-se
diante da corrupção. E o caso não diz
respeito apenas à política. As gentes
acham que político é um ser dedicado
à negociata, que o Estado é um barco
pirata; os cidadãos, a "sociedade civil", viveriam em odor de santidade.
Mas quantos desses cidadãos não
têm a cara-de-pau de se arrogarem
direitos inexistentes e serem tolerados por seus pares?
Do caso maior ao menor, as pessoas
se acham especiais o bastante para
sonegar "um pouco" de imposto, subornar fiscais a fim de fincar comércio ilegal em meio a residências, dirigir pelo acostamento se a estrada está
congestionada, dar-se por dono do
direito adquirido a uma aposentadoria enorme pela qual jamais pagou,
sujar ou fechar praias e o diabo.
Há para tanto um acordo tácito,
uma espécie de legislação informal
subentendida para justificar abusos,
há sempre um casamento da audácia
do desavergonhado com a tolerância
descarada, seja no Senado ou na fila
dupla. Se o estrago num caso pode ser
maior, o vício é sempre o mesmo.
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