São Paulo, segunda-feira, 19 de fevereiro de 2001

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VINICIUS TORRES FREIRE

Vergonhas

SÃO PAULO - ACM chamou Eliseu Padilha, ora ministro dos Transportes, de Eliseu Quadrilha, e nada. Chamou os presidentes do Senado e da República de ladrões. E nada.
Finos analistas políticos dizem que "a estratégia do Planalto" é deixar ACM falando sozinho, que assim ele murcha. Outros insinuam que o senador baiano já seria inimputável. Muita gente acha mesmo que o melhor é abafar o caso, recolher-se antes que ACM dê mais tiros no salão. Enfim, fica subentendido que o país tolera ladrões, bandoleiros ou caluniadores entre suas maiores autoridades.
Não deve ser à toa que a expressão "cara-de-pau" se diga no Brasil de modo tão típico e sugestivo, apesar de ser genérica a ponto de descrever várias manifestações de falta de caráter.
Há diversidade e demasia de desavergonhados, os quais porém não existiriam sem a contribuição da tolerância no mau sentido, da "nonchalance", do nem-te-ligo nacional.
Não se trata aqui só do fato de ninguém pedir explicações sobre acusações criminosas ou de resignar-se diante da corrupção. E o caso não diz respeito apenas à política. As gentes acham que político é um ser dedicado à negociata, que o Estado é um barco pirata; os cidadãos, a "sociedade civil", viveriam em odor de santidade.
Mas quantos desses cidadãos não têm a cara-de-pau de se arrogarem direitos inexistentes e serem tolerados por seus pares?
Do caso maior ao menor, as pessoas se acham especiais o bastante para sonegar "um pouco" de imposto, subornar fiscais a fim de fincar comércio ilegal em meio a residências, dirigir pelo acostamento se a estrada está congestionada, dar-se por dono do direito adquirido a uma aposentadoria enorme pela qual jamais pagou, sujar ou fechar praias e o diabo.
Há para tanto um acordo tácito, uma espécie de legislação informal subentendida para justificar abusos, há sempre um casamento da audácia do desavergonhado com a tolerância descarada, seja no Senado ou na fila dupla. Se o estrago num caso pode ser maior, o vício é sempre o mesmo.


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