São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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CLÓVIS ROSSI

A fé e o cassino

SÃO PAULO - Se quiser entender a crise financeira global, esqueça todo o jargão dos economistas, todos os nomes e apelidos que entraram em circulação com a turbulência ("subprime", Bear Stearns etc.) e volte ao velho e bom latim, como fez ontem, no jornal britânico "Financial Times", sua colunista Gillian Tett.
Ela lembrou que crédito (o epicentro da crise) vem do latim "credere", acreditar, confiar, ter fé. É disso que se trata, "de uma perda de confiança em todo o estilo da moderna finança, com todos os seus complexos fatiamentos e redistribuição de risco em formatos cada vez mais opacos".
Aproveito para tirar uma casquinha e fazer autopropaganda: algum leitor, um pelo menos, certamente se lembrará de que cansei, neste espaço, de apontar que o predomínio das finanças no capitalismo moderno o transformaria em um cassino.
Lendo conceito parecido em inglês, e em um jornal insuspeito de abrigar figuras exóticas, como é o caso do "FT", me sinto menos extraterrestre. Gillian não está sozinha em colocar "credere" no centro da crise.
Carter Dougherty ("New York Times") escreve que "a crise financeira vinculada ao mercado norte-americano de hipotecas se transformou em aguda crise de confiança no sistema bancário global". Corolário: "Se a confiança entra em colapso, o processo de conceder crédito para a economia e para transacionar ações, papéis, moeda estrangeira pode entrar também em colapso", diz Robert J. Samuelson ("The Washington Post").
Os banqueiros centrais estão fazendo o diabo para restaurar um mínimo de confiança, mas o fazem de forma a premiar -ou, no mínimo, não punir devidamente- "a moderna finança", que é responsável direto pelo imbróglio.
O que ninguém ousa é defender regras para enquadrar o cassino, já que fechá-lo parece impossível.


crossi@uol.com.br

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