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CLÓVIS ROSSI
A fé e o cassino
SÃO PAULO - Se quiser entender a
crise financeira global, esqueça todo o jargão dos economistas, todos
os nomes e apelidos que entraram
em circulação com a turbulência
("subprime", Bear Stearns etc.) e
volte ao velho e bom latim, como fez
ontem, no jornal britânico "Financial Times", sua colunista Gillian
Tett.
Ela lembrou que crédito (o epicentro da crise) vem do latim "credere", acreditar, confiar, ter fé.
É disso que se trata, "de uma perda de confiança em todo o estilo da
moderna finança, com todos os
seus complexos fatiamentos e redistribuição de risco em formatos
cada vez mais opacos".
Aproveito para tirar uma casquinha e fazer autopropaganda: algum
leitor, um pelo menos, certamente
se lembrará de que cansei, neste espaço, de apontar que o predomínio
das finanças no capitalismo moderno o transformaria em um cassino.
Lendo conceito parecido em inglês,
e em um jornal insuspeito de abrigar figuras exóticas, como é o caso
do "FT", me sinto menos extraterrestre.
Gillian não está sozinha em colocar "credere" no centro da crise.
Carter Dougherty ("New York Times") escreve que "a crise financeira vinculada ao mercado norte-americano de hipotecas se transformou em aguda crise de confiança no sistema bancário global".
Corolário: "Se a confiança entra
em colapso, o processo de conceder
crédito para a economia e para
transacionar ações, papéis, moeda
estrangeira pode entrar também
em colapso", diz Robert J. Samuelson ("The Washington Post").
Os banqueiros centrais estão fazendo o diabo para restaurar um
mínimo de confiança, mas o fazem
de forma a premiar -ou, no mínimo, não punir devidamente- "a
moderna finança", que é responsável direto pelo imbróglio.
O que ninguém ousa é defender
regras para enquadrar o cassino, já
que fechá-lo parece impossível.
crossi@uol.com.br
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