São Paulo, quarta-feira, 19 de março de 2008

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RUY CASTRO

Guerra perdida

RIO DE JANEIRO - Em 1973, eu estava morando em Portugal, no auge da guerra de libertação de suas colônias africanas, que já vinha de mais de dez anos. Os jornais portugueses, controlados pela censura, não refletiam nem sombra do que se passava em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau, mas nós, os jornalistas estrangeiros, sabíamos mais ou menos o que acontecia. Morriam dezenas por dia e atrocidades eram cometidas de lado a lado.
Nas duas primeiras colônias, as mais ricas e prósperas, havia um empate técnico. Mas a guerra na paupérrima Guiné já estava mais do que perdida para Portugal. Os guerrilheiros do PAIGC (Partido Africano para a Independência da Guiné e de Cabo Verde) dispunham de mísseis terra-ar que, dizia-se, lhes tinham sido mandados pela China de Mao Tsé-tung. Cada avião militar português que levantava vôo na selva era logo abatido.
Em Lisboa, os poucos jovens que se viam nas ruas eram os retornados da África -fardados, de muletas, com uma ou duas pernas a menos, vítimas de minas e granadas. Não havia como Portugal continuar sustentando aquela guerra, mas o regime salazarista, embora já sem Salazar, não pensava assim.
Em setembro daquele ano, a Guiné-Bissau declarou-se independente, mas a guerra continuou. Por causa dela fez-se em Portugal, em 1974, a Revolução dos Cravos, liderada pelos jovens oficiais que haviam lutado principalmente na Guiné, e só aí as coisas sossegaram.
Isso já tem 34 anos. A Guiné-Bissau continua muito pobre, o grau de corrupção é altíssimo e o país é acusado de estar se transformando no primeiro narcoestado africano -uma espécie de trampolim de traficantes colombianos para chegar ao mercado europeu. Não foi para isso que os patriotas da Guiné e os soldados portugueses deram a vida.


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