|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
RUY CASTRO
Guerra perdida
RIO DE JANEIRO - Em 1973, eu
estava morando em Portugal, no
auge da guerra de libertação de
suas colônias africanas, que já vinha de mais de dez anos. Os jornais
portugueses, controlados pela censura, não refletiam nem sombra do
que se passava em Angola, em Moçambique e na Guiné-Bissau, mas
nós, os jornalistas estrangeiros, sabíamos mais ou menos o que acontecia. Morriam dezenas por dia e
atrocidades eram cometidas de lado a lado.
Nas duas primeiras colônias, as
mais ricas e prósperas, havia um
empate técnico. Mas a guerra na
paupérrima Guiné já estava mais
do que perdida para Portugal. Os
guerrilheiros do PAIGC (Partido
Africano para a Independência da
Guiné e de Cabo Verde) dispunham
de mísseis terra-ar que, dizia-se,
lhes tinham sido mandados pela
China de Mao Tsé-tung. Cada avião
militar português que levantava
vôo na selva era logo abatido.
Em Lisboa, os poucos jovens que
se viam nas ruas eram os retornados da África -fardados, de muletas, com uma ou duas pernas a menos, vítimas de minas e granadas.
Não havia como Portugal continuar
sustentando aquela guerra, mas o
regime salazarista, embora já sem
Salazar, não pensava assim.
Em setembro daquele ano, a Guiné-Bissau declarou-se independente, mas a guerra continuou. Por
causa dela fez-se em Portugal, em
1974, a Revolução dos Cravos, liderada pelos jovens oficiais que haviam lutado principalmente na
Guiné, e só aí as coisas sossegaram.
Isso já tem 34 anos. A Guiné-Bissau continua muito pobre, o grau
de corrupção é altíssimo e o país é
acusado de estar se transformando
no primeiro narcoestado africano
-uma espécie de trampolim de traficantes colombianos para chegar
ao mercado europeu. Não foi para
isso que os patriotas da Guiné e os
soldados portugueses deram a vida.
Texto Anterior: Brasília - Melchiades Filho: Marta, my dear Próximo Texto: Antonio Delfim Netto: Três autonomias Índice
|