São Paulo, segunda-feira, 19 de abril de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

O "x" da questão

SÃO PAULO - A estátua do Cristo Redentor, no Rio, amanheceu pichada na última quinta. Braços, peito, rosto. Não é preciso ser católico (nem burguês) para ficar incomodado com esse vandalismo.
Entre os borrões, havia dizeres contra a violência, citando casos de pessoas desaparecidas ou assassinadas. Há quem veja na depredação de um símbolo da cidade uma forma válida de protesto, uma ação "política", talvez até "artística".
A discussão está colocada em São Paulo. Como a Folha noticiou, a 29ª edição da Bienal, a ser realizada em setembro, decidiu abrir espaço aos pichadores. O curador Moacir dos Anjos diz que o "pixo", com "x" (grafia usada pelos adeptos como assinatura do que fazem), "questiona os limites usuais que separam arte e política", tema desta bienal.
O grupo que está sendo anexado ao "grand monde" agiu com método. Em 2008, pichou uma escola de arte (onde ela é ensinada), uma galeria (onde é comercializada) e a própria Bienal do Vazio (o templo da arte). São artistas ou vândalos? Representam algo "radical" ou só regressivo? A Bienal está se abrindo à cidade ou fazendo populismo ao patrocinar a delinquência?
É preciso muito boa vontade para ver algo além do testemunho da exclusão na ação ao mesmo tempo selvagem e monótona dos pichadores. Ao descrever a depredação do patrimônio por jovens no contexto europeu, o ensaísta alemão Hans Magnus Enzensberger disse: "Nas ações espontâneas expressa-se a raiva das coisas em bom estado, o ódio por tudo o que funciona e que forma um amálgama indissolúvel com o ódio por si mesmo". Bingo!
Mas aqui não estamos em Frankfurt. Falamos de jovens da periferia, de Osasco e de Pirituba. Na afirmação de uma identidade vazia ou na destruição de qualquer identidade, a pichação é também um veículo do ódio (e da frustração) com as coisas que não funcionam -ou funcionam para os outros.
Os pichadores não precisam de Bienal, mas de família, escola e uma perspectiva de vida decente.


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