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FERNANDO DE BARROS E SILVA
O "x" da questão
SÃO PAULO - A estátua do Cristo
Redentor, no Rio, amanheceu pichada na última quinta. Braços, peito, rosto. Não é preciso ser católico
(nem burguês) para ficar incomodado com esse vandalismo.
Entre os borrões, havia dizeres
contra a violência, citando casos de
pessoas desaparecidas ou assassinadas. Há quem veja na depredação
de um símbolo da cidade uma forma válida de protesto, uma ação
"política", talvez até "artística".
A discussão está colocada em São
Paulo. Como a Folha noticiou, a
29ª edição da Bienal, a ser realizada
em setembro, decidiu abrir espaço
aos pichadores. O curador Moacir
dos Anjos diz que o "pixo", com "x"
(grafia usada pelos adeptos como
assinatura do que fazem), "questiona os limites usuais que separam
arte e política", tema desta bienal.
O grupo que está sendo anexado
ao "grand monde" agiu com método. Em 2008, pichou uma escola de
arte (onde ela é ensinada), uma galeria (onde é comercializada) e a
própria Bienal do Vazio (o templo
da arte). São artistas ou vândalos?
Representam algo "radical" ou só
regressivo? A Bienal está se abrindo à cidade ou fazendo populismo
ao patrocinar a delinquência?
É preciso muito boa vontade para ver algo além do testemunho da
exclusão na ação ao mesmo tempo
selvagem e monótona dos pichadores. Ao descrever a depredação do
patrimônio por jovens no contexto
europeu, o ensaísta alemão Hans
Magnus Enzensberger disse: "Nas
ações espontâneas expressa-se a
raiva das coisas em bom estado, o
ódio por tudo o que funciona e que
forma um amálgama indissolúvel
com o ódio por si mesmo". Bingo!
Mas aqui não estamos em Frankfurt. Falamos de jovens da periferia, de Osasco e de Pirituba. Na afirmação de uma identidade vazia ou
na destruição de qualquer identidade, a pichação é também um veículo do ódio (e da frustração) com
as coisas que não funcionam -ou
funcionam para os outros.
Os pichadores não precisam de
Bienal, mas de família, escola e uma
perspectiva de vida decente.
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