São Paulo, quarta-feira, 19 de maio de 2004

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FERNANDO RODRIGUES

Crise anunciada

BRASÍLIA - A rigor, a primeira grande disputa estritamente política que o governo Lula enfrenta no Congresso é a tentativa de aprovar a emenda da reeleição que pode beneficiar os presidentes da Câmara, João Paulo Cunha, e do Senado, José Sarney.
Para consumo externo, o Palácio do Planalto propaga a versão de que prefere ficar de fora. A realidade é outra. O ministro da Casa Civil, José Dirceu, atua fortemente a favor da emenda da reeleição. Alguém acredita que Dirceu faça, na política, algo que contrarie Lula?
Até o início da noite de ontem, havia dúvida se o governo colocaria a emenda para ser votada hoje na Câmara, como João Paulo anunciou aos quatro cantos. O clima dentro do Congresso era o de uma "crônica da crise anunciada", tal qual num livro de Gabriel García Márquez.
Se a emenda não for colocada em votação hoje, o governo terá sofrido uma derrota. Ficará evidente que não tem votos para aprovar emendas constitucionais do seu interesse.
Se João Paulo decidir arriscar uma votação, sabe que a disputa será voto a voto, apertadíssima. Pode ganhar, mas corre o risco de perder.
Na hipótese de derrota da emenda da reeleição, a crise será ainda maior do que o simples adiamento da votação. Diferentemente do que foi a derrubada da MP dos Bingos, neste caso será um ato contra o Palácio do Planalto -naquele, foi a favor dos bingueiros, o que é bem diferente.
Mesmo que João Paulo saia vitorioso numa eventual votação hoje, a crise estará instalada. O Senado começará a emperrar seus trabalhos. O líder do PMDB naquela Casa, Renan Calheiros, é adversário ferrenho da emenda da reeleição. Calheiros tem grande ascendência sobre os 22 senadores peemedebistas -que representam 27,2% dos votos no Senado.
Quando alguém imagina que a última crise serviu de lição, o governo Lula logo produz outra. É como se tivesse consultoria de García Márquez para fazer chover cem dias e cem noites. Como em Macondo.


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