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FERNANDO RODRIGUES
Crise anunciada
BRASÍLIA - A rigor, a primeira grande disputa estritamente política que o
governo Lula enfrenta no Congresso
é a tentativa de aprovar a emenda da
reeleição que pode beneficiar os presidentes da Câmara, João Paulo Cunha, e do Senado, José Sarney.
Para consumo externo, o Palácio
do Planalto propaga a versão de que
prefere ficar de fora. A realidade é
outra. O ministro da Casa Civil, José
Dirceu, atua fortemente a favor da
emenda da reeleição. Alguém acredita que Dirceu faça, na política, algo
que contrarie Lula?
Até o início da noite de ontem, havia dúvida se o governo colocaria a
emenda para ser votada hoje na Câmara, como João Paulo anunciou
aos quatro cantos. O clima dentro do
Congresso era o de uma "crônica da
crise anunciada", tal qual num livro
de Gabriel García Márquez.
Se a emenda não for colocada em
votação hoje, o governo terá sofrido
uma derrota. Ficará evidente que
não tem votos para aprovar emendas
constitucionais do seu interesse.
Se João Paulo decidir arriscar uma
votação, sabe que a disputa será voto
a voto, apertadíssima. Pode ganhar,
mas corre o risco de perder.
Na hipótese de derrota da emenda
da reeleição, a crise será ainda maior
do que o simples adiamento da votação. Diferentemente do que foi a derrubada da MP dos Bingos, neste caso
será um ato contra o Palácio do Planalto -naquele, foi a favor dos bingueiros, o que é bem diferente.
Mesmo que João Paulo saia vitorioso numa eventual votação hoje, a crise estará instalada. O Senado começará a emperrar seus trabalhos. O líder do PMDB naquela Casa, Renan
Calheiros, é adversário ferrenho da
emenda da reeleição. Calheiros tem
grande ascendência sobre os 22 senadores peemedebistas -que representam 27,2% dos votos no Senado.
Quando alguém imagina que a última crise serviu de lição, o governo
Lula logo produz outra. É como se tivesse consultoria de García Márquez
para fazer chover cem dias e cem noites. Como em Macondo.
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