São Paulo, sábado, 19 de junho de 2010

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PLÍNIO FRAGA

Saramago, o fingidor

RIO DE JANEIRO - No começo dos anos 90, nas páginas desta Folha, um leitor implicava com um colunista que chamava a rede mundial de computadores de "o internet", em vez de "a internet". O colunista lançava a hipótese de ser um sistema, daí "o internet".
Leitores são sábios; articulistas, contorcionistas. Este exercício inicial foi para dizer que achar um número de telefone nos anos 90 era difícil. E o número de telefone em questão era em Lanzarote.
Foi necessária uma rede, não de computadores, mas de contatos entre autores, para que o repórter ligasse para Saramago. O escritor foi solícito, mas pediu que mandasse as perguntas por escrito.
Horas depois, o telefone tocava e o próprio autor pedia o sinal de fax para que enviasse suas respostas, publicadas na capa da Ilustrada.
Cinco anos depois, Saramago citava a Folha em seu "Cadernos de Lanzarote". O melhor da entrevista não estava nela. Saramago havia sido questionado sobre declaração de Antônio Houaiss, que apostava que o primeiro Nobel para escritor em língua portuguesa seria para ele ou para João Cabral de Melo Neto.
Repetindo Graham Greene, disse que vencer o Nobel o engrandeceria, mas, se a escolha fosse Cabral, o prêmio é que sairia engrandecido.
No livro, esclareceu o espírito que o movia: "Esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia e para não aparecer aos olhos dos leitores da Folha como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta maneira me sangrando em saúde: "Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel para a língua portuguesa fosse dado a um português, porque, na verdade, vai para 900 anos que estamos à espera dele, enquanto vocês (brasileiros) nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam..."."
Três anos depois, Saramago recebia o Prêmio Nobel. Como o poeta de Pessoa, era também um fingidor. Driblara o repórter por fax.


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