|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
PLÍNIO FRAGA
Saramago, o fingidor
RIO DE JANEIRO - No começo dos
anos 90, nas páginas desta Folha,
um leitor implicava com um colunista que chamava a rede mundial
de computadores de "o internet",
em vez de "a internet". O colunista
lançava a hipótese de ser um sistema, daí "o internet".
Leitores são sábios; articulistas,
contorcionistas. Este exercício inicial foi para dizer que achar um número de telefone nos anos 90 era difícil. E o número de telefone em
questão era em Lanzarote.
Foi necessária uma rede, não de
computadores, mas de contatos entre autores, para que o repórter ligasse para Saramago. O escritor foi
solícito, mas pediu que mandasse
as perguntas por escrito.
Horas depois, o telefone tocava e
o próprio autor pedia o sinal de fax
para que enviasse suas respostas,
publicadas na capa da Ilustrada.
Cinco anos depois, Saramago citava a Folha em seu "Cadernos de
Lanzarote". O melhor da entrevista
não estava nela. Saramago havia sido questionado sobre declaração
de Antônio Houaiss, que apostava
que o primeiro Nobel para escritor
em língua portuguesa seria para ele
ou para João Cabral de Melo Neto.
Repetindo Graham Greene, disse
que vencer o Nobel o engrandeceria, mas, se a escolha fosse Cabral,
o prêmio é que sairia engrandecido.
No livro, esclareceu o espírito
que o movia: "Esgotada a minha capacidade de abnegação e modéstia
e para não aparecer aos olhos dos
leitores da Folha como um sujeitinho hipócrita, acrescentei, desta
maneira me sangrando em saúde:
"Em todo o caso, parecer-me-ia justo que o primeiro Nobel para a língua portuguesa fosse dado a um
português, porque, na verdade, vai
para 900 anos que estamos à espera dele, enquanto vocês (brasileiros) nem sequer dois séculos de esperanças frustradas levam..."."
Três anos depois, Saramago recebia o Prêmio Nobel. Como o poeta
de Pessoa, era também um fingidor. Driblara o repórter por fax.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: Mudança de paradigma Próximo Texto: Cesar Maia: Imagem externa
Índice
|