São Paulo, sábado, 19 de outubro de 2002

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CLÓVIS ROSSI

E, por falar em medo...

SÃO PAULO - Com todo o respeito pelo medo de Regina Duarte, já expresso ontem neste espaço, devo dizer que eu também tenho lá meu medo de um governo Lula, mas ele é de natureza exatamente inversa.
Não temo que o governo Lula mude para pior, mas que não mude e fracasse aos olhos das ruas.
Se isso acontecer, ficará inviabilizada por muitas e muitas eleições a vitória de qualquer candidato à esquerda do centro. O que significa dizer que ficará inviabilizada a essência da democracia, a possibilidade de haver alternância no poder, alternância de verdade, não a mera troca de seis por meia dúzia.
Diz um velho amigo petista que Lula está plenamente consciente de que não pode fracassar. Teria dito que, se fosse mais um do sistema, seria apenas mais um fracasso entre tantos. Mas, como não é (ou não se considera), seu fracasso estigmatizaria irrecorrivelmente toda a esquerda e reduziria escolhas futuras apenas a matizes de centro/direita.
A questão seguinte é: pode-se satisfazer ao mesmo tempo e durante todo o período de governo aos mercados e às ruas?
Eu não creio. Não estou sozinho. Romano Prodi, presidente da Comissão Européia (o braço executivo do conglomerado de 15 países), acaba de chamar de "estúpido, rígido e imperfeito" o Pacto de Estabilidade e Crescimento assinado pelos países europeus e que, entre outras coisas, prevê déficit fiscal máximo de 3%.
Veja-se que o nome do pacto é "estabilidade e crescimento". No Brasil, o "pacto" está dado pelo acordo com o FMI, que impõe não um déficit de 3%, mas um superávit superior a 3% (sempre do PIB), e não toca na palavra "crescimento".
É, parafraseando Prodi, mais que "estúpido, rígido e imperfeito". Meu medo é, pois, o de o PT não conseguir sair da armadilha "estúpida" que cairá no colo do próximo governo e, por extensão, não consiga ser a mudança que a rua votou.


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