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Sujeira na igreja
FRANCESCO SCAVOLINI
A função do magistério eclesiástico é guiar o povo de Deus, mas parece que alguns guias perderam,
eles mesmos, o rumo
"QUANTA SUJEIRA existe na
igreja! Até mesmo no meio
daqueles que, sendo sacerdotes, deveriam pertencer inteiramente a Deus". Essas palavras foram
pronunciadas pelo então cardeal Ratzinger durante a meditação da Via Sacra no Coliseu, em Roma, na Sexta-Feira Santa de 2005, poucos dias antes da morte do papa João Paulo 2º.
É provável que, com as referidas palavras, o futuro papa quisesse referir-se não somente aos casos de abuso sexual envolvendo o clero mas também
aos desvios e erros doutrinários com
graves conseqüências éticas e morais
para a vida da igreja e da sociedade.
É bom lembrar que o reconhecimento de erros e abusos não ficou só
no papel, pois a Santa Sé tem punido
exemplarmente os responsáveis, tendo também confirmado para toda a
igreja que os delitos de abuso sexual
devem ser tratados como crimes hediondos também perante as autoridade civis.
Infelizmente, parece que, no Brasil,
algumas das autoridades da Igreja Católica nem sempre seguem o exemplo
da Santa Sé.
Por exemplo, se essas autoridades
tivessem punido e afastado o padre
Lancelotti uns anos atrás, quando ele,
violando as normas canônicas, apoiou
pública e abertamente, tanto em
2000 como em 2004, a candidata a
prefeita Marta Suplicy (Marta, que
defendia e defende ainda hoje o aborto, o divórcio, o casamento entre homossexuais, a descriminalização das
drogas, foi fazer até comício dentro da
igreja do padre Lancelotti, no altar,
tendo ao lado o mesmo padre, que pedia votos para ela), teriam certamente
cumprido sua tarefa de preservar o
povo católico e a sociedade de gravíssimos desvios éticos e morais, poupando também a igreja do grave escândalo que a atinge.
De fato, a principal função do magistério eclesiástico é a de guiar o povo de Deus no caminho da fé. Contudo, parece que alguns desses guias
perderam, eles mesmos, o rumo.
Vou citar somente um exemplo.
Em agosto de 2005, no cume da crise
de corrupção que aturdia o governo, o
presidente Lula, buscando o apoio da
igreja, enviou uma carta à CNBB
(Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil) em que, reafirmando explicitamente o seu catolicismo, não só tomou posição em defesa da vida em todos os seus aspectos e em todo o seu
alcance mas também prometeu que o
seu governo não tomaria nenhuma
iniciativa que contradissesse os princípios cristãos.
Música para o ouvido dos bispos e
do povo católico, não fosse que, um
mês mais tarde, o governo Lula decidiu apresentar ao Congresso, por
meio da ministra Nilcéa Freire, o projeto para a liberação do aborto.
Esse projeto, incorporado ao texto
do substitutivo da então relatora Jandira Feghali, está em tramitação no
Congresso e permite a descriminalização total e absoluta do aborto (sim,
caro leitor, se o referido projeto for
aprovado pelo Congresso, qualquer
bebê poderá ser eliminado até poucos
minutos antes do nascimento sem
que os matadores sejam punidos).
E o católico Lula, será que foi punido por ter enganado a igreja ? Não, caro leitor, mesmo depois de tudo isso,
mesmo depois de ter sancionado a lei
que permite a manipulação e a destruição de embriões humanos, mesmo depois de ter recentemente chamado de hipócrita a igreja, o católico
Lula, bem como o católico Lancelotti,
não foi punido pela igreja.
Lula, aliás, foi premiado com a recente visita do ex-arcebispo de São
Paulo, dom Cláudio Hummes, que foi
celebrar missa para o presidente e
uns poucos convidados na capela do
Palácio da Alvorada e, durante a homilia, comparou Lula a Jesus (será
que esqueceram o documento da
CNBB de 12 agosto de 2005, em que
está escrito: "É preciso buscar as raízes históricas da perversa cultura de
corrupção implantada no país. Ela se
nutre da impunidade, acobertada pela conivência, que se torna cumplicidade, incentivada por corporativismos históricos, habituados a usar em
benefício de interesses particulares
as estruturas do poder público"?).
Quero terminar este artigo com as
palavras de Bento16 que concluíram a
meditação da nona estação da referida Via Sacra: "Senhor (...) a veste e o
rosto tão sujos da Tua igreja nos atordoam. Porém, somos nós mesmos
que os sujamos! Somos nós mesmos
que Te traímos cada vez depois de todas as nossas grandes palavras, os
nossos grandes gestos. Tem piedade
da Tua igreja (...) Te levantaste de novo, ressurgiste e podes novamente
nos levantar também. Salva e santifica a Tua igreja. Salva e santifica todos
nós".
FRANCESCO SCAVOLINI, 51, doutor em jurisprudência
pela Universidade de Urbino (Itália), é especialista em direito canônico.
f.scavo@uol.com.br
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
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