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SERGIO COSTA
No reino do faz-de-conta
RIO DE JANEIRO - Num fim de
semana de sol, Julia, 2, foi apresentada de forma inusitada à realidade
social e à violência da cidade em que
vive. Ela brincava, entretida com
castelinhos de areia, dentro de uma
casa de plástico, dessas que os "baixos bebês" espalham pela orla para
a diversão de crianças pequenas,
quando, de repente, começou a
chorar bem alto.
Uma menina, um pouco mais velha, entrou intempestivamente na
casa de brinquedo e passou a bater
janelas e portas aos gritos: "Fecha
tudo! Fecha tudo! É a polícia!". A
pequenina se assustou.
A criança, Érica, 4, moradora de
favela ali perto, brincava de reproduzir cena que deve fazer parte do
seu cotidiano. E assim transformou
o que parecia uma casa de bonecas
em um barraco cercado por policiais com dedos nervosos. Um jogo
cheio de tensão e nada lúdico.
Na semana passada, a poucas
quadras da praia que juntou dois
pequenos universos, a polícia matou três num galpão-escritório do
PAC no Pavão-Pavãozinho. Tinha
invadido a favela atrás de uma denúncia de desvio, para obras de melhoria em casas de traficantes, de
material do programa do governo.
Anunciado como solução para a
violência nas favelas, o PAC, a julgar
pelo que aconteceu no morro, está
acelerando, em paralelo, o crescimento do patrimônio e do poder de
alguns bandidos. Além de indicar a
mão-de-obra nas favelas e estabelecer condições em que os trabalhos
podem ser feitos, eles agora tiram
proveito de cimento, tijolos e fiações destinados a melhorar a vida
nas "comunidades".
Nesse ritmo, é mais fácil Julia parar de se assustar com o jogo do
"barraco invadido" do que a pequena Érica ver transformada a triste
realidade que é obrigada a testemunhar -e acaba por reproduzir no
lugar das brincadeiras e fantasias
infantis que lhe são negadas.
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