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RICARDO MELO
Água na fervura
SÃO PAULO - Por enquanto, a vitória de Barack Obama, que hoje
deve tomar posse como presidente
dos EUA, tem sido muito mais rica
em simbolismos do que em fatos
que justifiquem o otimismo espraiado mundo afora. O maior risco
é trocar a satanização de George
Bush pelo endeusamento automático do ex-senador por Chicago.
Claro, o homem faz diferença.
George W. Bush, que hoje pendura
as chuteiras após escapar por pouco
de umas boas sapatadas, será sempre lembrado pelas duas guerras
inacabadas, por uma recessão que
apavora o mundo e pela política interna e externa ultrarreacionárias.
Como todos sabem, tal herança
não contraria as convicções de
Bush, pelo contrário. Mas seria injusto considerar que legado tão lastimável tenha sido coisa de autor,
ou mesmo obra exclusiva do círculo
íntimo do poder na Casa Branca.
Acima de tudo, Bush foi instrumento de uma coalizão de interesses que controla os EUA não é de
hoje. É impensável supor que ele
entraria nas guerras que entrou, ou
promoveria as carnificinas que promoveu, sem ter o beneplácito do
grande capital financeiro e da indústria da guerra, bem como a simpatia de parte expressiva do chamado establishment americano.
É justamente aí, nessa coalizão
de forças que já elegeu democratas
e republicanos ao longo do tempo,
que é preciso mexer. Quanto a isso,
infelizmente, Obama não apresentou nenhuma grande novidade.
O que se prenuncia até agora em
termos administrativos foge muito
pouco da mesmice (como sempre,
alguns dirão que é uma imposição
do realismo). No fundamental, a
equipe de governo anunciada por
Obama não passa de uma mistura
da burocracia clintoniana salpicada
com alguns restos republicanos.
As medidas previstas para tirar a
economia do atoleiro, por sua vez,
só se diferenciam das atuais pelo tamanho dos pacotes. E se a política
externa seguir o exposto por Hillary Clinton em sabatina no Senado,
muitos sapatos ainda voarão.
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