São Paulo, segunda-feira, 20 de fevereiro de 2006

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VINICIUS TORRES FREIRE

Justiça a torto e a direito

SÃO PAULO - No debate público, o Judiciário não parece muito um poder da República. Gostamos muito de tripudiar sobre o governo, em especial sobre gastos, embora consideremos que a gastança, quando nos privilegia, seja direito adquirido e eterno.
Apreciamos o vilipêndio dos "políticos", reação genérica de vilificação do Congresso, apesar dos pesares, o Poder mais aberto ao escrutínio público e à escolha dos cidadãos.
O Judiciário, porém, tem ar de seita misteriosa e invisível, caricatura reforçada até pelo latinório e becas e togas. Mas a Justiça vem de sair do armário em questões memoráveis.
O Supremo Tribunal Federal decidiu que o controle público do Judiciário é para valer: o Conselho Nacional de Justiça pode sim acabar com a nomeação de parente de juiz. No caso de triste memória, o Tribunal de Justiça paulista absolveu o chefe militar do massacre do Carandiru.
O reacionarismo da elite judiciária temperou as decisões. Os Tribunais de Justiça lutaram vergonhosamente para manter o nepotismo, na prática barrado desde a Carta de 1988. Debatem-se para evitar a eleição da sua cúpula ou a reforma dos processos. São os mesmos carcomidos que reclamam de calças femininas, se ocupam de tecnicismos que não passam mais de chicanas e que se alinham com a opinião social mais obscurantista.
Decerto, o Judiciário deve ser o Poder mais incontrolável. Isto é, as liberdades estão ameaçadas se a Justiça cai sob influência de governos, agências enviesadas ou grupos de interesse, como escritórios de advocacia (tal como o mercado o faz com o Banco Central), ou do crime, como indicou a CPI do Narcotráfico.
Mas, enclausurado, o Judiciário tende a se comportar como qualquer burocracia, movido pelo próprio interesse, e, no caso, interesse bancado por muito poder. Mérito de iniciativas do governo Lula, do reformismo dos jovens juízes e do Supremo, o Judiciário começa a sair da sua letargia quase medieval, de seu patriarcalismo e patrimonialismo.


@ - vinit@uol.com.br


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