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São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003

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CLÓVIS ROSSI

Ou vale a lei ou não vale a guerra

SÃO PAULO - Se algum governante tivesse, um dia, a fútil idéia de conquistar o público de outros países satanizando qualquer outro governante, certamente escolheria Saddam Hussein como o seu alvo preferencial, eventualmente único.
Afinal, tudo o que se disser de muito ruim, de péssimo, de tenebroso a respeito do ditador iraquiano nunca vai parecer exagerado.
Por isso, chega a ser inacreditável que George Walker Bush, mesmo escalando Saddam Hussein como seu inimigo preferencial, só tenha conseguido obter o apoio declarado de 30 dos 191 países-membros da ONU.
Se entre os governantes foi assim, na rua é pior: Bush conseguiu ser impopular na maior parte do planeta.
Mesmo nos Estados Unidos, apesar do rarefeito ambiente criado pelos atentados de 11 de setembro, é tênue a maioria a favor de uma guerra sem o aval das Nações Unidas.
Como é possível tornar-se mundialmente malquisto pela maioria ao atacar um carniceiro?
Haveria até argumentos fortes para apoiar a guerra, como o esgrimido sábado nesta Folha por Johann Hari, do jornal britânico "The Independent": "Será que a esquerda realmente esqueceu o princípio fundamental de que vale a pena lutar para libertar 23 milhões de pessoas da tirania e ajudá-las a construir a democracia?".
Sim, vale a pena, desde que não seja uma única força quem decida que país "libertar" e quando.
Só para dar um exemplo: em 1954, os Estados Unidos "libertaram" a Guatemala do coronel esquerdista Jacobo Arbenz apenas para entregar o país a uma sucessão de generais sanguinários, sob os quais uma guerra civil de décadas matou mais pessoas do que Saddam Hussein.
Parece evidente, ademais de lógico, que, se 161 países não querem seguir os EUA no ataque a um carniceiro, é porque temem que outras "libertações", como a da Guatemala (e há muitos outros exemplos), tragam mais problemas que soluções.


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