São Paulo, quinta-feira, 20 de março de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Rigor e equilíbrio
MIGUEL REALE JÚNIOR
Não se pode, portanto, neste momento de emoção, com os espíritos conturbados, buscar respostas de mero valor simbólico para contentar a população transformada em platéia manipulável por meio de artifícios e factóides. O rigorismo penitenciário aos que cometem falta grave já está previsto na Lei de Execução Penal, devendo-se estabelecer, como consta de projeto modificativo dessa lei, a previsão de faltas gravíssimas, sujeitas a prazo de reabilitação para a obtenção de qualquer benefício. A limitação de entrevista dos presos com advogado a uma semanal é aconselhável, podendo o patrono, no entanto, justificar a urgência de mais outro encontro na mesma semana para colher dados ou informações necessários à defesa. Recolhido Fernandinho Beira-Mar à Superintendência da Polícia Federal, em Brasília, havia dias em que se entrevistava com sete advogados, podendo-se imaginar que um deles talvez seria apenas veículo de notícias com a estrutura criminosa em ação no mundo livre, razão pela qual a limitação é aconselhável, sem que tal constitua afronta à advocacia, a ser exercida como função essencial à realização da Justiça. Não serão, todavia, essas medidas por si só eficazes para combate ao crime organizado, dirigido por criminosos presos. Sugiro, então, que se tipifique a figura penal do crime organizado, havendo projeto em tramitação no Congresso, apresentado com base em sugestão de comissão que presidi, à época de José Carlos Dias, ministro da Justiça, inclusive para adotar procedimentos especiais na execução da pena desse delito. Considero essencial, porém, o estabelecimento de forças-tarefas voltadas aos diversos segmentos do crime organizado, reunindo as polícias e o Ministério Público, cientificando-se o Judiciário dos caminhos da investigação, o que pode levar a resultados duradouros. A força-tarefa que pretendi instaurar no Rio de Janeiro quando ministro da Justiça, mas logo abandonada, a não ser em face de medidas periféricas ao Rio, constitui um trabalho de inteligência e informação por via do qual se passa a conhecer a estrutura, o funcionamento, as ramificações e as ações do crime organizado, para a partir destes dados agir preventiva e repressivamente, quebrando seus pilares, suas fontes de fornecimento de dinheiro e de equipamentos, seus beneficiários, detectando seus protetores, especialmente na própria instituição estatal e mesmo no Judiciário. A confiança constrói-se como fruto do exemplo continuado, decorrendo antes dos precedentes e da história do que de ações pontuais revestidas de excepcionalidade. É, portanto, o instante de busca do equilíbrio e de, sem atitudes de mero significado simbólico, avançar com inteligência na luta incessante contra o crime organizado, para que se obtenha ao longo do tempo o mais difícil: a manutenção da confiança da sociedade nas instituições democráticas. Miguel Reale Júnior, 58, advogado, é professor da Faculdade de Direito da USP. Foi ministro da Justiça (governo Fernando Henrique). Texto Anterior: TENDÊNCIAS/DEBATES Magistratura ameaçada Cláudio Baldino Maciel: Justiça sem medo Próximo Texto: Painel do leitor Índice |
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