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MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Esqueçam o que eu bebi
SÃO PAULO - Bem que tentei, mas não resisti à tentação de ver no "affair" Zeca Pagodinho um desses episódios que se revestem de dimensão
simbólica em relação ao momento
por que passa o país, suas instituições
e seus governantes.
Temos um sambista genuinamente
popular no papel de defensor publicitário de uma "nova" cerveja. Mesmo
sabendo-se que as cervejas desse tipo
são todas praticamente idênticas, ele
empresta sua credibilidade à marca
renovada. Está, à sua maneira, dentro das convenções do mundo da
propaganda, afiançando que a mudança é boa e deve ser adotada.
Passa-se o tempo, e eis que o arauto
do novo sabor abandona seus seguidores. Pasmo. Revolta. "O que é isso,
Pagodinho?", perguntam os companheiros aflitos, já intuindo que a ética nesse negócio é muito relativa.
A mensagem é clara: por um punhado de dinheiro (e US$ 3 milhões é
uma boa gaita), dá para mudar. E a
mudança, afinal, não é só por dinheiro: Pagodinho sempre bebeu a
velha, e não a nova. É verdade que,
ao que consta, ele parou de beber.
Mas tanto faz. Façam o que eu digo,
não façam o que eu faço. As contradições se dissolvem na espuma. São
diluídas pela encenação marqueteira. Era só uma bravata. Um amor de
verão. Não era para acreditar. Esqueçam o que eu bebi.
Pagodinho foi um dos cabos eleitorais do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva na eleição presidencial. Ou
seja, anunciou o candidato da mudança, o novo sabor da política nacional. O cantor e compositor esteve
recentemente num animado churrasco promovido pelo Planalto para
seus colaboradores, às vésperas da
reforma ministerial. Não foi informada a marca da cerveja servida.
Nesta semana, vi-me incluído numa lista de e-mail na qual pessoas
discutem o momentoso caso. A toda
hora alguém pergunta se ele foi honesto ou não. Afinal, o volúvel Pagodinho traiu ou não traiu? Fez bem ou
fez mal? Dilema moral. Drama de
consciência. Dúvida cruel.
Que dureza. Dá pra tomar uma
Kaiser antes?
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