São Paulo, sábado, 20 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

História universal do cinismo

RIO DE JANEIRO - O século está começando com a repetição de uma lei histórica, cuja metáfora mais banal seria o duelo entre o pequenino Davi e o poderoso Golias. A hegemonia militar, econômica e tecnológica dos EUA, indiscutível e em expansão, vem sendo ferida, ainda não mortalmente, pelas pedras de uma funda também em expansão, mas cujos estragos começam a ficar evidentes.
Outra banalidade seria a comparação entre a hegemonia norte-americana e a hegemonia de Roma -mas a vida e a história são marcadas pela banalidade: "Odi profanum vulgus et arceo", desabafava Horácio, um dos meus poetas preferidos.
O terrorismo, condenável sob todos os aspectos, foi e continua sendo a expressão das minorias, dos fracos subjugados pelos fortes. Não envolve uma justificação moral nem precisa dela. Enquanto houver um poderoso e um frágil, um senhor e um escravo, não faltarão pedras para o combate desigual.
A constatação pode parecer cínica, e certamente o é, mas nem por isso deixa de ser real. O colosso do Império Romano não desabou da noite para o dia, foi desgastado ao longo de uma era marcada pela morosidade espiritual e tecnológica, quando um século durava bem mais do que cem anos.
Ao atentado de 11 de março em Madri, prolongamento da tragédia do 11 de Setembro em Nova York, somam-se os episódios menores e mais antigos que ocorrem no Iraque vencido, mas não conquistado, e no confronto sem solução entre judeus e árabes em Israel, que se arrasta há décadas.
O julgamento da história sofre também de cinismo igual. Dois terroristas do século passado, Menahem Begin e Iasser Arafat, ganharam o Prêmio Nobel da Paz. Pode-se argumentar que um pacifista, como Martin Luther King, também ganhou o mesmo Nobel. Mas foi assassinado, e o sonho que sonhou um dia continua sendo assassinado.


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