|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CARLOS HEITOR CONY
História universal do cinismo
RIO DE JANEIRO - O século está começando com a repetição de uma lei
histórica, cuja metáfora mais banal
seria o duelo entre o pequenino Davi
e o poderoso Golias. A hegemonia
militar, econômica e tecnológica dos
EUA, indiscutível e em expansão,
vem sendo ferida, ainda não mortalmente, pelas pedras de uma funda
também em expansão, mas cujos estragos começam a ficar evidentes.
Outra banalidade seria a comparação entre a hegemonia norte-americana e a hegemonia de Roma -mas
a vida e a história são marcadas pela
banalidade: "Odi profanum vulgus et
arceo", desabafava Horácio, um dos
meus poetas preferidos.
O terrorismo, condenável sob todos
os aspectos, foi e continua sendo a expressão das minorias, dos fracos subjugados pelos fortes. Não envolve
uma justificação moral nem precisa
dela. Enquanto houver um poderoso
e um frágil, um senhor e um escravo,
não faltarão pedras para o combate
desigual.
A constatação pode parecer cínica,
e certamente o é, mas nem por isso
deixa de ser real. O colosso do Império Romano não desabou da noite
para o dia, foi desgastado ao longo de
uma era marcada pela morosidade
espiritual e tecnológica, quando um
século durava bem mais do que cem
anos.
Ao atentado de 11 de março em
Madri, prolongamento da tragédia
do 11 de Setembro em Nova York, somam-se os episódios menores e mais
antigos que ocorrem no Iraque vencido, mas não conquistado, e no confronto sem solução entre judeus e
árabes em Israel, que se arrasta há
décadas.
O julgamento da história sofre
também de cinismo igual. Dois terroristas do século passado, Menahem
Begin e Iasser Arafat, ganharam o
Prêmio Nobel da Paz. Pode-se argumentar que um pacifista, como Martin Luther King, também ganhou o
mesmo Nobel. Mas foi assassinado, e
o sonho que sonhou um dia continua
sendo assassinado.
Texto Anterior: Brasília - Fernando Rodrigues: O ex-amigo Próximo Texto: Luciano Mendes de Almeida: Mutirão para superar a fome Índice
|