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TENDÊNCIAS/DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo. debates@uol.com.br
A Univesp é um bom caminho para ampliar o acesso ao ensino superior no país?
NÃO
Univesp é arremedo de ensino superior
CÉSAR AUGUSTO MINTO
NO BRASIL , é comum atribuir
relação intrínseca e biunívoca
entre ensino à distância (EàD)
e tecnologias de informação e comunicação (TIC), modernas ou não.
Ledo engano, pois tais tecnologias
não caracterizam nem sequer são exclusivas do EàD. A incorporação das
TIC no ensino presencial, por sinal, é
modesta, entre outros motivos, porque faltam às instituições de ensino
recursos para prover a infraestrutura
necessária.
Por outro lado, a prática do EàD no
país apresenta características negativas: 1) cursos modulares, aligeirados;
2) reduzida carga de ensino presencial, nem sempre conduzida por professores (substituídos por monitores
e tutores); 3) fragmentação do processo de ensino: planejamento, elaboração, acompanhamento e avaliação
realizados por pessoas distintas; e 4)
precarização do trabalho dos docentes, monitores e tutores, todos submetidos a contratos temporários.
Educadores e pesquisadores têm
estudado o tema. Experiências que
também se valeram em parte do EàD
(como as licenciaturas parceladas no
MT e o projeto Gavião no PA) auguram alguns indicadores positivos.
Mas ainda não dispomos de um conjunto fundamentado de saberes sobre
o assunto que justifique a adoção plena do EàD. Contudo, instituições e
pessoas distorcem os esforços citados
para defender o seu uso indiscriminado, a começar pela formação de professores e em larga escala.
Os defensores incondicionais do
EàD têm agido rapidamente, tanto no
plano nacional (criação da Universidade Aberta do Brasil) como em SP,
onde criaram o programa Universidade Virtual do Estado de São Paulo
(Univesp). Discutiremos aqui duas de
suas alegações: 1) EàD e Univesp democratizam o acesso ao ensino superior (ES) e 2) suprem a falta de professores de algumas disciplinas.
Grande contingente de pessoas não
tem acesso ao ES presencial, supostamente por questões sociais ou geográficas; assim, a adoção do EàD seria
uma iniciativa democratizadora. Porém, muitos desses excluídos residem
em municípios onde há ES público,
presencial e de qualidade, mas sem
vagas em número suficiente.
Ora, se há jovens alijados do ensino
superior por razões sociais ou econômicas, os instrumentos a usar são outros: cursos noturnos, bolsas de estudo, moradia estudantil etc. Quanto às
regiões desprovidas de ES, o Plano
Estadual de Educação-Proposta da
Sociedade Paulista (parado na Assembleia Legislativa) resolveria tal
problema por meio da expansão das
instituições públicas presenciais.
Do ponto de vista educacional, o
EàD poderá trazer inúmeras limitações para os estudantes, desde ausência de programas de iniciação científica a dificuldades de acesso a boas bibliotecas e a laboratórios bem equipados. E serão privados da indispensável interação entre os estudantes,
destes com os professores e de uns e
outros com os objetos de conhecimento, em prejuízo da aprendizagem.
Vários países adotam EàD para
contemplar pessoas que não podem
ser atendidas presencialmente: impossibilitados de locomoção, prisioneiros, militares engajados em regiões de fronteira etc. Por que não se
faz isso no Brasil? Por que se busca
impor o EàD em substituição ao ensino presencial regular?
Todas as redes públicas de ensino,
incluindo a paulista, sofrem com a falta de docentes, em especial de física,
matemática, química e biologia. Mais
do que a insuficiência de professores
formados, porém, prevalece a precariedade das condições de trabalho e
salário nessas redes, ignorada por sucessivos governos.
Há um contingente subutilizado de
docentes que estão atuando em outras áreas por ausência de condições
na rede pública paulista. Curiosamente, um dos cursos que darão início à Univesp, com 5.000 vagas, é o de
pedagogia, área na qual não faltam
profissionais!
Por que comprometer perigosamente a formação de professores nas
próximas gerações? Por que oferecer
apenas e tão-somente o EàD àqueles
que, por razões socioeconômicas e,
sobretudo, pelo sucateamento da rede pública, não estão tendo a oportunidade de frequentar o ensino superior público presencial?
CÉSAR AUGUSTO MINTO, 59, é professor na Faculdade
de Educação da USP e vice-presidente da Adusp (Associação dos Docentes da USP).
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