São Paulo, terça-feira, 20 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIANE CANTANHÊDE

A ver navios

BRASÍLIA - A brasileira Lúcia Azevedo, de 46 anos, mora e trabalha desde setembro de 1988 na Califórnia. Quer dizer, morava.
Mesmo tendo um filho americano, Andy, 13; mesmo pagando imposto normalmente, ano após ano, como se legal fosse; mesmo com a garantia por escrito de seus patrões de que arcariam com os estudos do filho na prestigiada universidade de Stanford, Lúcia foi deportada.
Aliás, não exatamente deportada. Digamos que jogada à seguinte opção: ou se mandava por conta própria, ou seria deportada. O que, na prática, dá no mesmo.
Baseada em velha lei que autoriza a concessão de "green card" para quem esteja no país há mais de dez anos, pague impostos e não tenha nenhuma dívida com a Justiça, o que ela decidiu? Decidiu, espontaneamente, pedir o documento definitivo. Foi o seu erro. Se tivesse ficado quieta, talvez nunca saísse de lá.
Depois de um longo processo, com idas, vindas e lágrimas, ela perdeu. No final, não restou alternativa: "Se eu não saísse voluntariamente, acabaria presa. Achei melhor sair, trazendo meu filho comigo. Mas isso é deportação, sim", disse ela ontem, já em São Paulo, pronta para voltar à sua cidade, Maceió, em Alagoas.
Lúcia chegou aos Estados Unidos não pelo México, nem pelas fronteiras, nem pelos "coiotes" (que "agenciam" a entrada de ilegais em solo americano). Ela chegou pela porta da frente, como estudante de computação e inglês. E gostou.
Gostou, sobretudo, dos US$ 1.200 que começou ganhando como babá e que chegaram aos US$ 4.500 que vinha recebendo ultimamente como uma espécie de faxineira sofisticada, quase governanta.
Agora, Lúcia está no limbo. No país que adotou e onde teve seu filho, não consegue ser aceita. No seu país de origem, não vai nunca conseguir uma remuneração à altura dos últimos muitos e muitos anos.
Lúcia, enfim, é uma cidadã do mundo subdesenvolvido. Quando tem pátria, não tem salário. Quando tem salário, não tem pátria.


Texto Anterior: Bruxelas - Clóvis Rossi: A vida e a bolsa
Próximo Texto: Rio de Janeiro - Carlos Heitor Cony: Anjo da morte
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.