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ELIANE CANTANHÊDE
A ver navios
BRASÍLIA - A brasileira Lúcia Azevedo, de 46 anos, mora e trabalha desde
setembro de 1988 na Califórnia. Quer
dizer, morava.
Mesmo tendo um filho americano,
Andy, 13; mesmo pagando imposto
normalmente, ano após ano, como se
legal fosse; mesmo com a garantia
por escrito de seus patrões de que arcariam com os estudos do filho na
prestigiada universidade de Stanford, Lúcia foi deportada.
Aliás, não exatamente deportada.
Digamos que jogada à seguinte opção: ou se mandava por conta própria, ou seria deportada. O que, na
prática, dá no mesmo.
Baseada em velha lei que autoriza
a concessão de "green card" para
quem esteja no país há mais de dez
anos, pague impostos e não tenha nenhuma dívida com a Justiça, o que
ela decidiu? Decidiu, espontaneamente, pedir o documento definitivo.
Foi o seu erro. Se tivesse ficado quieta, talvez nunca saísse de lá.
Depois de um longo processo, com
idas, vindas e lágrimas, ela perdeu.
No final, não restou alternativa: "Se
eu não saísse voluntariamente, acabaria presa. Achei melhor sair, trazendo meu filho comigo. Mas isso é
deportação, sim", disse ela ontem, já
em São Paulo, pronta para voltar à
sua cidade, Maceió, em Alagoas.
Lúcia chegou aos Estados Unidos
não pelo México, nem pelas fronteiras, nem pelos "coiotes" (que "agenciam" a entrada de ilegais em solo
americano). Ela chegou pela porta da
frente, como estudante de computação e inglês. E gostou.
Gostou, sobretudo, dos US$ 1.200
que começou ganhando como babá e
que chegaram aos US$ 4.500 que vinha recebendo ultimamente como
uma espécie de faxineira sofisticada,
quase governanta.
Agora, Lúcia está no limbo. No país
que adotou e onde teve seu filho, não
consegue ser aceita. No seu país de
origem, não vai nunca conseguir
uma remuneração à altura dos últimos muitos e muitos anos.
Lúcia, enfim, é uma cidadã do
mundo subdesenvolvido. Quando
tem pátria, não tem salário. Quando
tem salário, não tem pátria.
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