São Paulo, segunda-feira, 20 de setembro de 2010

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TENDÊNCIAS/DEBATES

O preço do pacote de Obama

IVAN CÉSAR RIBEIRO


O Legislativo parece atuar sob o calor dos acontecimentos e não faz esforço para examinar com cuidado e método o impacto das novas regulações


Quanto custa à sociedade o excesso ou a falta de regulação? O pacote de reforma financeira da administração Obama, sancionado pelo presidente quase em fins de julho, faz substanciais alterações na regulação do setor. De fato, são quase 2.000 páginas de legislação, abordando desde proteção do consumidor e hipotecas até a compra de minerais do Congo.
Exatamente uma semana antes, a SEC ("Securities and Exchange Comission"), a equivalente americana de nossa Comissão de Valores Mobiliários (CVM), publicara a versão final da sua regulação para contribuições de consultores financeiros para campanhas políticas. Um documento de apenas 55 páginas.
Uma das principais diferenças entre os dois documentos, ambos lidando com a regulação financeira, é a falta de análise dos custos e benefícios no pacote de Obama.
Enquanto o documento da SEC dedica quase um terço de suas páginas à análise dos custos e benefícios da medida, dos impactos sobre a desburocratização e outros efeitos, a nova lei para o mercado financeiro não tem sequer uma página a esse respeito.
Regulações, em geral, têm custos que devem ser comparados com prováveis benefícios. Tais custos podem ser diretos, como aqueles decorrentes de assegurar a conformidade com os novos dispositivos, ou ainda os incorridos pelo governo para assegurar a efetividade da norma.
Tão ou mais importantes que esses são os custos indiretos, que incluem a eventual redução de negócios e consequente redução de bem-estar da população, os efeitos sobre a competição, as consequências sobre a confiança dos investidores decorrentes de uma regulação mal feita, entre outros.
Entidades do mercado de capitais nos EUA têm sido demandadas, inclusive pela Justiça, a apresentar detalhados relatórios sobre os impactos das regulações que propõem. Desde 2005 a SEC tem melhorado substancialmente sua prestação de contas, com elaborados processos de consulta à sociedade, que ajudam a aprimorar bastante as regras apresentadas.
Como se percebe do pacote de Obama, tal grau de transparência não é exigido do Legislativo, que parece atuar muito mais sob o calor dos acontecimentos e não faz esforço para examinar com cuidado e método o impacto das novas regulações que propõe e aprova.
No Brasil, o assunto ainda é tratado de forma incipiente, com um esforço ainda muito recente do governo de melhorar a regulação. A maioria das iniciativas está abrigada no Pro-Reg (Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação), que desde 2007 tenta estabelecer as diretrizes para uma avaliação da qualidade da regulação.
A ênfase é ainda na regulação de setores de infraestrutura, como telefonia, eletricidade e saneamento. A crise mundial, contudo, gerou grande demanda por mais regulação na área financeira, de forma a evitar novos desastres como os da crise do "subprime" (crédito hipotecário de risco) americana ou a das dívidas dos países na Europa.
Este é um bom momento para se começar a pensar na qualidade da regulação também para o mercado de capitais e finanças.

IVAN CÉSAR RIBEIRO, mestre em direito pela Universidade Yale (EUA), onde foi pesquisador do John Olin Center, é especialista em impacto da regulação financeira.


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