São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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INCERTEZA FINANCEIRA

Toda crise financeira torna mais curtos os horizontes. Do desempregado ao investidor frustrado na Bolsa, a primeira vítima da crise é o grau de confiança no futuro.
O império do curto prazo fica evidente em quase todas as atividades, mas é especialmente intenso no desempenho das Bolsas de Valores.
Como se trata de instituições criadas para receber recursos daqueles que pretendem investir pensando no longo prazo, elas estão entre as formas de poupança mais sacrificadas em crises como a que atualmente afeta a economia brasileira e, de resto, todo o sistema global.
Não é totalmente desconhecido esse cenário. Como se viu na crise financeira de 1929, o encurtamento dos horizontes e o retorno baixo dos investimentos levam as ações das empresas a recordes de baixa.
Ocasionalmente, ocorrem movimentos positivos que os especialistas caracterizam como "ajustes técnicos". Como ocorre em casos de empresas cujas ações parecem exageradamente desvalorizadas, levando alguns investidores a apostar em sua recuperação, comprando papéis e assim aquecendo o mercado.
Depois da bolha nas Bolsas dos Estados Unidos, os mercados de capitais nas principais economias do mundo entraram num processo de queima de capitais. Na Alemanha, dois terços da riqueza em Bolsa já foi consumida e não há ainda certeza de que o processo tenha chegado ao fim. No Japão, o volume de "ativos podres" nos balanços dos bancos é tão grande que a economia se arrasta num processo de depressão que já supera uma década.
Atreladas ao valor dessas ações estão, nos EUA, as expectativas de uma classe média cuja aposentadoria fora planejada com base numa exposição significativa às Bolsas de Valores.
No Brasil, também há essa conexão entre aposentadorias e desempenho das Bolsas, sobretudo em alguns fundos de pensão estatais com forte presença no mercado.
Em 2001, os fundos de pensão registraram uma insuficiência de recursos de R$ 3,9 bilhões em relação ao que deveriam pagar de benefícios.
Com a crise de confiança, as Bolsas contribuíram para tornar mais incerto o futuro desses poupadores.
Até onde irá a tolerância dos governos e dos organismos multilaterais como o FMI diante de desequilíbrios financeiros que atingem diretamente os direitos de milhões de beneficiários -como nos fundos de pensão?
O exemplo das Bolsas de Valores e dos fundos de pensão é apenas um entre muitos de setores cuja saúde financeira vem perdendo qualidade nos últimos meses. Cada uma das vítimas da crise é candidata a receber a atenção dos governos. Na prática, o que há por trás da incerteza financeira são decisões políticas sobre como distribuir os custos da crise.



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