São Paulo, domingo, 20 de outubro de 2002

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CARLOS HEITOR CONY

Tanto faz

RIO DE JANEIRO - Ao contrário de Maiakóvski, prefiro morrer de tédio a morrer de vodca. Aliás, nem prefiro morrer de uma forma ou de outra, mas não abomino o tédio.
Nietzsche fez o elogio do ócio, Erasmo, o da loucura. Não farei o elogio do tédio, mas ele tem o seu lado bom. Dá a impressão de que já tivemos tudo, que nada nos falta e que tanto faz Lula ou Serra ganharem ou perderem, tanto faz Bush destruir o Iraque, tanto faz o filme nacional que vai concorrer ao melhor filme estrangeiro na Academia de Hollywood ser garfado mais uma vez por uma produção alienada e comprometida com o Consenso de Washington.
Tenho ouvido muito este ""tanto faz" aplicado aos dois candidatos do segundo turno. Gente de todos os segmentos e origens, quando se manifesta sobre isso ou sobre aquilo, logo no início deixa claro: ""Tanto faz Lula ou Serra ganhar, o novo presidente, seja ele quem for, terá de...".
Donde posso concluir que os problemas, os desafios, todos os nós que entravam o progresso econômico e social do Brasil são tais e tantos que tanto faz elegermos fulano ou sicrano. Seremos governados pelos nossos problemas, pelas nossas carências, pela nossa inércia.
Certa vez, perguntaram a um filósofo pré-socrático o que ele preferiria ser: rabo de leão ou focinho de porco?
O filósofo pensou, pensou, abriu um atalho na pergunta: ""Não há uma terceira opção?". Não, não havia. Voltou a pensar, pensar, avaliou o rabo do leão e o focinho do porco, finalmente respondeu: ""Tanto faz".
Citei nesta crônica o poeta Maiakóvski, Nietzsche, Erasmo, Bush, Lula, Serra e um filósofo pré-socrático. Poderia ter citado mais gente, Enéas, Drummond, Raul Seixas, Barbalho ou o bispo Macedo. Daria na mesma.



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