São Paulo, quarta-feira, 20 de outubro de 2004

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TENDÊNCIAS/DEBATES

Doutores da Alegria, 13

WELLINGTON NOGUEIRA

Estamos celebrando os 13 anos de fundação dos Doutores da Alegria por ser este o momento em que alcançamos um novo estágio -firmamos cada vez mais a nossa presença nos três Estados em que atuamos, São Paulo, Rio de Janeiro e Pernambuco; programamos a expansão para outros locais; e lutamos para nos tornar uma instituição auto-sustentável.
Desde 1991 visitamos cerca de 350 mil crianças, ou ainda 500 mil familiares, atuando com cerca de 10 mil profissionais da área da saúde. Hoje estamos presentes em sete hospitais de São Paulo, dois no Rio de Janeiro e três no Recife. Contamos com uma equipe de 37 artistas profissionais e especializados.
São 13 anos de muitas mudanças, de comportamento e de opinião.
Quando comecei a estruturar a organização, acreditava que esse seria um trabalho artístico, com base cultural e inserção nas áreas social e da saúde. Nesse percurso, conquistamos a parceria de diversos setores da sociedade que acreditaram na nossa proposta e acompanham até hoje nosso desenvolvimento. No entanto também enfrentamos muitos pensamentos preconceituosos e limitados. Alguns preconceitos ainda persistem.


Somos reconhecidos como um dos precursores do movimento de humanização hospitalar no Brasil


Ao longo desses anos, vimos resgatando a arte do palhaço na sociedade brasileira e, o que é mais importante, levando essa atividade para outros setores. Por enxergar o hospital como palco, ampliamos o campo de atuação do palhaço. Essa proposta ainda é bastante nova, e talvez por essa razão algumas pessoas enxerguem nossa atividade como uma forma de arte menor e que, portanto, não poderia ser considerada uma atividade cultural. Ledo engano!
Estamos indo além, chegando aonde o artista não costumava chegar, com método e profissionalismo. Valorizamos a diversidade cultural brasileira, pois, quando se pensa no palhaço de São Paulo, do Rio de Janeiro e de Pernambuco, têm-se três tipos diferentes de artista.
A grande maioria dos espetáculos teatrais não se aproxima do número de expectadores atingidos por nossa intervenção, além de não permanecer em cena por tanto tempo. Esses encontros são proporcionados por nossa equipe rigorosamente duas vezes por semana, seis horas por dia, em cada um dos 12 hospitais em que estamos presentes.
Afirmo com tranqüilidade que estamos vendo nascer a mais nova mídia do artista cômico do futuro: a vida real. Precisamos começar a entender que, para esse artista, o palco é onde ele estiver, e então ele criará suas cenas a cada encontro com o espectador, com começo, meio e fim, em tempo real. Será um fazedor de espetáculos contínuo, atingindo as pessoas diretamente em suas rotinas com sua arte, mostrando uma outra maneira, mais saudável, de viver sua relação com a vida. Causando, portanto, transformação social.
Além de trazer uma iniciativa pioneira para o país, fomos inovadores também na estruturação do trabalho. Todas as atividades são desenvolvidas com base em pesquisas e na organização das informações, promovendo a disseminação desse conhecimento para outras áreas. Isso faz dos Doutores da Alegria uma organização única no mundo. Desde 1998 contamos com um centro de estudos próprio, onde são realizadas pesquisas que já resultaram em tese de mestrado, na publicação de dois livros e no desenvolvimento do Programa Formação para Profissionais da Área da Saúde. Para nossa felicidade, desde 2002 o Ministério da Saúde firma uma parceria com os Doutores da Alegria a fim de implantar esse programa em hospitais de grandes cidades.
Recentemente a equipe do centro de estudos efetuou o mapeamento de aproximadamente 200 ações inspiradas na atividade da instituição em todo o Brasil. Por tudo isso, somos reconhecidos pela área da saúde como um dos precursores do movimento de humanização hospitalar no Brasil.
Quando iniciei esse trabalho, não imaginava que um dia seríamos convidados a ministrar aulas em faculdades de medicina. Hoje assisto a médicos e outros profissionais interessados em trocar experiências com palhaços, por descobrirem que os nossos valores podem acrescentar. Graças à ajuda de parceiros como as organizações internacionais Ashoka e Avina, entendi posteriormente que há uma identidade profissional para pessoas que, como eu, acreditaram numa proposta inovadora e apostaram em sua idéia, transformando-a em realidade. Dessa forma descobri que fazemos parte de uma rede de profissionais do futuro: somos empreendedores sociais.
O reconhecimento por nossa ação não termina aí. Nosso trabalho foi selecionado para integrar uma exposição de imagens do Fórum Cultural Mundial e está exposto em Barcelona. Além disso, por mais de uma vez os Doutores da Alegria foram considerados uma das 40 melhores práticas globais por um júri internacional da Divisão Habitat, da ONU.
Agora, o que queremos é expandir nosso trabalho para mais hospitais, chegar a outros Estados e outras áreas. Semeando as bases para a formação e a atuação desse profissional do futuro que vislumbramos. E a conseqüência disso tudo poderá ser um conjunto de suaves revoluções e transformações sociais, com o estabelecimento de uma nova cultura, voltada para a paz, para o desenvolvimento e para a arte.

Wellington Nogueira, 43, ator, palhaço, é fundador e coordenador artístico dos Doutores da Alegria.


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