São Paulo, segunda-feira, 20 de outubro de 2008

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Paradoxos de Marta

SÃO PAULO - Marta quis mobilizar o preconceito de uma sociedade conservadora contra seu adversário -logo ela, que tanto repete ser vítima do preconceito dos conservadores. A manobra foi baixa e deu errado. O saldo está aí: além da eleição, que deve perder no domingo, a petista comprometeu sua biografia. A derrota passa. A mácula fica.
Diferentemente do "relaxa e goza", um deslize verbal desastroso, aqui se tratou de uma ação deliberada. A aposta no obscurantismo; a conversa da candidata de que ignorava o teor da peça; o endosso, ainda assim, à opção pela baixeza; a tentativa final de responsabilizar a mídia pelas "insinuações maldosas" -nada serve como atenuante para a delinqüência premeditada.
Não obstante tudo isso, também é inegável a carga pesada de truculência sexista que há anos se volta contra a candidata, sem que muita gente se incomode, pelo contrário.
Tome-se a "Dona Marta", expressão já trivializada, de evidente apelo regressivo. Ela evoca a "dona-de-casa" ou a "dona Maria" -fórmulas correntes de que o machismo se vale para desqualificar a figura feminina e negar à mulher independência de ação e de espírito.
Rica e bem-nascida, e ainda por cima loira de olhos azuis, madame Smith de Vasconcelos se atreve a defender os gays e a periferia. Como pode? "Dona Marta" é o recado mais ameno que a mentalidade patriarcal dá a essa senhora abusada e insolente, como que para devolvê-la aos códigos de origem.
Marta gosta de abusar dos paradoxos. Se diz vítima das invasões bárbaras da mídia em sua vida pessoal, mas, prefeita, não hesitou em fazer de seu casamento um circo espalhafatoso para consumo das revistas de celebridades.
Ela quer brincar de Castelo de Caras nos dias pares e invocar escrúpulos contra os métodos da indústria do entretenimento nos dias ímpares. Quer combater preconceitos, mas empunha as armas do inimigo. A mulher emancipada ainda é uma dondoca da elite brasileira.


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