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FERNANDO DE BARROS E SILVA
Paradoxos de Marta
SÃO PAULO - Marta quis mobilizar o preconceito de uma sociedade
conservadora contra seu adversário
-logo ela, que tanto repete ser vítima do preconceito dos conservadores. A manobra foi baixa e deu errado. O saldo está aí: além da eleição,
que deve perder no domingo, a petista comprometeu sua biografia. A
derrota passa. A mácula fica.
Diferentemente do "relaxa e goza", um deslize verbal desastroso,
aqui se tratou de uma ação deliberada. A aposta no obscurantismo; a
conversa da candidata de que ignorava o teor da peça; o endosso, ainda
assim, à opção pela baixeza; a tentativa final de responsabilizar a mídia
pelas "insinuações maldosas" -nada serve como atenuante para a delinqüência premeditada.
Não obstante tudo isso, também
é inegável a carga pesada de truculência sexista que há anos se volta
contra a candidata, sem que muita
gente se incomode, pelo contrário.
Tome-se a "Dona Marta", expressão já trivializada, de evidente apelo
regressivo. Ela evoca a "dona-de-casa" ou a "dona Maria" -fórmulas
correntes de que o machismo se vale para desqualificar a figura feminina e negar à mulher independência de ação e de espírito.
Rica e bem-nascida, e ainda por
cima loira de olhos azuis, madame
Smith de Vasconcelos se atreve a
defender os gays e a periferia. Como
pode? "Dona Marta" é o recado
mais ameno que a mentalidade patriarcal dá a essa senhora abusada e
insolente, como que para devolvê-la aos códigos de origem.
Marta gosta de abusar dos paradoxos. Se diz vítima das invasões
bárbaras da mídia em sua vida pessoal, mas, prefeita, não hesitou em
fazer de seu casamento um circo espalhafatoso para consumo das revistas de celebridades.
Ela quer brincar de Castelo de
Caras nos dias pares e invocar escrúpulos contra os métodos da indústria do entretenimento nos dias
ímpares. Quer combater preconceitos, mas empunha as armas do inimigo. A mulher emancipada ainda é
uma dondoca da elite brasileira.
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