São Paulo, segunda-feira, 20 de novembro de 2006

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A hegemonia de São Paulo

LUIS OTÁVIO REIFF, GUSTAVO GALVÃO DOS SANTOS e MARCELO TRINDADE MITERHOF


A desconcentração econômica e política é positiva para todo o país. Caberia a São Paulo liderar esse processo


A ELEIÇÃO presidencial -em especial o primeiro turno, que não tem caráter plebiscitário- mostrou uma marcante divisão regional dos votos. O Norte/Nordeste votou a favor do governo, beneficiado pelos efeitos do Bolsa Família e da recuperação do salário mínimo. A oposição teve melhor desempenho no Centro/Sul, mais prejudicado pela valorização cambial.
A diferença econômica central entre esses pólos é que um é industrial ou de agricultura empresarial (Sul) e o outro tem uma economia subdesenvolvida (Norte). Tal desequilíbrio é uma das razões que explicam por que a industrialização no século 20 não foi suficiente para o Brasil romper com o subdesenvolvimento.
A substituição de importações, com câmbio privilegiado para bens de capital, favoreceu a industrialização do Centro/Sul, particularmente de São Paulo. Como o Nordeste não tinha densidade econômica para induzir a industrialização, as divisas geradas pelo seu saldo comercial com o exterior eram usadas para importar as máquinas que construíram a indústria paulista. O Nordeste também forneceu a São Paulo um mercado consumidor protegido da competição externa e farta mão-de-obra.
O Nordeste foi uma periferia funcional, alavancando de início a industrialização paulista. Mas a manutenção da desigualdade regional dificulta o fortalecimento do mercado interno, tirando dinamismo do capitalismo nacional.
Além disso, a concentração do poder econômico leva ao alijamento de lideranças regionais no processo decisório. O predomínio paulista nas disputas presidenciais pós-democratização e o fato de os dois principais partidos (PT e PSDB) terem suas bases em São Paulo simbolizam os efeitos da concentração econômica no processo político.
Argumente-se que foi conferido aos Estados periféricos uma sobre-representação no Congresso. Mas isso tem gerado mais distorções que soluções. As bancadas desses Estados não lutam por seus interesses capitalistas locais, que são inexpressivos, mas por sobras do Orçamento. Em troca, dão o apoio parlamentar que interessa ao capitalismo de fato constituído, radicado sobretudo na av. Paulista. A única arma disponível de política regional para a industrialização é a guerra fiscal. Projetos estruturantes passam ao largo. Vide o caso da Sudene, que de órgão coordenador do desenvolvimento virou balcão de projetos.
Os países centrais europeus entenderam nos anos 70 que, sem a redução das disparidades regionais, a UE não sairia do papel. Itália e Irlanda ameaçaram abandonar a Conferência de Paris (1972) se não fosse criado um Fundo Europeu de Desenvolvimento Regional. Fundos estruturais regionais e taxas de câmbio diferenciadas reduziram o desequilíbrio europeu.
Com isso, vem diminuindo a distância de renda per capita entre países periféricos (como Portugal, Espanha e Irlanda) e países centrais (como Alemanha, França e Inglaterra).
No Brasil, porém, São Paulo não abriu mão do seu monopólio político e econômico. Pouco foi feito para reduzir a desigualdade regional. São Paulo se apropria anualmente de cerca de R$ 2,5 bilhões dos demais Estados por conta da cobrança do ICMS na origem, e não só no destino, como se deveria esperar de um imposto de consumo. Curiosamente, uma exceção está no petróleo, cujo ICMS é cobrado apenas no destino.
Se, na Europa, os fundos estruturais representam 30% do Orçamento da UE, no Brasil, os fundos regionais (FNE, FCO, FNO) não chegam a 1% do Orçamento federal. Se forem considerados outros fundos, como o FGTS, o resultado é reconcentrador.
Os resultados deletérios não atingem só o Nordeste. A concentração populacional em São Paulo torna a cidade ingovernável. O desemprego favorece a violência. O preconceito é reforçado: boa parte da elite paulistana acredita que tais problemas são causados pelos nordestinos. As urnas mostraram populações defendendo interesses econômicos concretos, o que explicita um impasse regional que precisa ser enfrentado.
A desconcentração econômica e política é positiva para todo o país.
Nesse sentido, os Estados periféricos brasileiros não precisam de uma maior proporção voto/homem, precisam, sim, de mais R$/homem. Isso significa transformar as transferências orçamentárias de mero sistema de compensação financeira para um instrumento que produza impacto econômico estrutural, visando a convergência econômico-social dos Estados. Na Europa, a liderança desse processo foi da Alemanha. No Brasil, caberia a São Paulo assumir tal papel.
LUIS OTÁVIO REIFF , 32, GUSTAVO GALVÃO DOS SANTOS , 31, e MARCELO TRINDADE MITERHOF , 32, são economistas do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social).


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