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TENDÊNCIAS/DEBATES
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SIM
A lei é dura, mas estica
RONALDO CAIADO
A VERDADE pode ser depreendida muito mais de atitudes que
de palavras. Na discussão sobre a extinção da reeleição, dentre as
propostas admitidas pelo relator deputado João Paulo Cunha, na CCJ da
Câmara, existiam três (PECs 73/
2003, 106/ 2003 e 1/2007) profundamente suspeitas.
Todas limitavam-se a extirpar da
Constituição a reeleição, prevista no
seu artigo 14, parágrafo 5º, mas não
incluíam nenhuma proibição explícita a que chefes de Executivos disputassem o mesmo cargo assim que seus
mandatos terminassem, ao contrário
de outras 22 PECs aceitas.
Intrigado, o DEM elaborou estudo
e constatou que tais propostas criavam um limbo jurídico sobre o tema,
um vazio constitucional, como se tentou fazer na Venezuela e na Bolívia.
Por elas, a Carta Magna não trataria
de reeleição, mas também não a proibiria. Pior ainda, restaria detonada a
regra que previa apenas uma única
reeleição, abrindo-se caminho para
reeleições ilimitadas, tão a gosto de
ditaduras. Em vez do "dura lex, sed
lex" (a lei é dura, mas é lei), entraríamos num "dura lex, sed latex" (a lei é
dura, mas estica).
Ainda só preocupados, procuramos
João Paulo Cunha, pondo-o lealmente a par de nossas apreensões, tendo
ele minimizado. Desconfiados, resolvemos balançar a moita para ver se
ela escondia algum coelho.
Oferecemos destaque para a retirada desse trio de PECs duvidosas e, oh,
surpresa!, o PT, ao ver-se desmascarado, virou bicho, em atitude incompatível com sua apregoada intenção
de extinguir a reeleição.
Com muito esforço, a oposição conseguiu aprovar a retirada dessas
PECs, em meio à fúria e ao desproporcional desespero do PT.
A perfídia governista se tornou escancarada quando o deputado Carlos
Willian (PTC-MG), da base aliada, no
calor do debate, rasgou de vez a fantasia ao insistir em que a reeleição de
Lula deveria ser buscada e que apresentaria emenda nesse sentido na futura comissão especial que irá cuidar
do tema em 2009.
Por que isso? Governo e PT curvaram-se à realidade dos fatos: estão a
braços com uma crise econômica de
dimensões imprevisíveis, que tende a
minar e corroer seu suporte político,
com a perspectiva de desemprego,
perda de renda e novos impostos em
2009; fracassou a teoria do poste, já
que não parece haver força da natureza que converta a ministra Dilma em
candidata real e competitiva, e Lula,
como demonstrou nas últimas eleições, não transfere votos. Popularidade nele é como escova de dentes, ou
seja, para uso pessoal e intransferível.
Para o PT, significa o panorama intolerável de ficar ao sol e ao sereno,
desfalcado de negociatas, além do desemprego dos "companheiros".
Para além de qualquer dúvida, a
proposta desnudou-se tal como sempre foi desde o início: nada mais que
um mal ajambrado cavalo-de-tróia,
que traz na barriga a perspectiva de
reeleição ilimitada à Hugo Chávez.
Caso consigam aprovar esse arcabouço jurídico-institucional, o passo
seguinte, inevitável, será a mobilização de massas populares para "exigir"
a continuidade de Lula, utilizando o
braço pelego sindical. Vão tentar criar
um clamor para que o presidente e o
PT, após insistir em que não querem a
re-reeleição, acatem docemente
constrangidos.
Em verdade, a diferença entre Lula
e seu mentor Chávez é que este último deixa clara sua pretensão de eternizar-se no poder, enquanto Lula segue o modelo de outro Chaves, o da
TV: "Sem querer, querendo".
Em suma, está em marcha um golpe político, promovido com a desfaçatez de querer o fim da reeleição quando, ao contrário, se busca por baixo
dos panos a eternização de uma liderança populista, sem alternância de
poder e asfixiando oposição e vozes
dissidentes.
Lula e o PT continuam os mesmos.
A proposta de reforma política em
curso não só "abre espaço" para o terceiro mandato de Lula. Também
reintroduz a promiscuidade do troca-troca partidário, tornando sem efeito
as últimas e moralizadoras decisões
do TSE. Em verdade, dentro da tradição de perfídia, hipocrisia e dissimulação típica do PT, é a mais recente
tentativa da esquerda de eternizar-se
no poder. Então, devemos agir conforme o conselho de Cristo em Mateus, 10:16, simples como as pombas,
mas prudentes como a serpente.
RONALDO CAIADO, 59, médico ortopedista, é deputado
federal pelo DEM-GO e primeiro vice-líder do seu partido
na Câmara.
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