São Paulo, sábado, 20 de dezembro de 2008

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TENDÊNCIAS/DEBATES

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SIM

A lei é dura, mas estica

RONALDO CAIADO

A VERDADE pode ser depreendida muito mais de atitudes que de palavras. Na discussão sobre a extinção da reeleição, dentre as propostas admitidas pelo relator deputado João Paulo Cunha, na CCJ da Câmara, existiam três (PECs 73/ 2003, 106/ 2003 e 1/2007) profundamente suspeitas.
Todas limitavam-se a extirpar da Constituição a reeleição, prevista no seu artigo 14, parágrafo 5º, mas não incluíam nenhuma proibição explícita a que chefes de Executivos disputassem o mesmo cargo assim que seus mandatos terminassem, ao contrário de outras 22 PECs aceitas.
Intrigado, o DEM elaborou estudo e constatou que tais propostas criavam um limbo jurídico sobre o tema, um vazio constitucional, como se tentou fazer na Venezuela e na Bolívia.
Por elas, a Carta Magna não trataria de reeleição, mas também não a proibiria. Pior ainda, restaria detonada a regra que previa apenas uma única reeleição, abrindo-se caminho para reeleições ilimitadas, tão a gosto de ditaduras. Em vez do "dura lex, sed lex" (a lei é dura, mas é lei), entraríamos num "dura lex, sed latex" (a lei é dura, mas estica).
Ainda só preocupados, procuramos João Paulo Cunha, pondo-o lealmente a par de nossas apreensões, tendo ele minimizado. Desconfiados, resolvemos balançar a moita para ver se ela escondia algum coelho.
Oferecemos destaque para a retirada desse trio de PECs duvidosas e, oh, surpresa!, o PT, ao ver-se desmascarado, virou bicho, em atitude incompatível com sua apregoada intenção de extinguir a reeleição.
Com muito esforço, a oposição conseguiu aprovar a retirada dessas PECs, em meio à fúria e ao desproporcional desespero do PT.
A perfídia governista se tornou escancarada quando o deputado Carlos Willian (PTC-MG), da base aliada, no calor do debate, rasgou de vez a fantasia ao insistir em que a reeleição de Lula deveria ser buscada e que apresentaria emenda nesse sentido na futura comissão especial que irá cuidar do tema em 2009.
Por que isso? Governo e PT curvaram-se à realidade dos fatos: estão a braços com uma crise econômica de dimensões imprevisíveis, que tende a minar e corroer seu suporte político, com a perspectiva de desemprego, perda de renda e novos impostos em 2009; fracassou a teoria do poste, já que não parece haver força da natureza que converta a ministra Dilma em candidata real e competitiva, e Lula, como demonstrou nas últimas eleições, não transfere votos. Popularidade nele é como escova de dentes, ou seja, para uso pessoal e intransferível.
Para o PT, significa o panorama intolerável de ficar ao sol e ao sereno, desfalcado de negociatas, além do desemprego dos "companheiros".
Para além de qualquer dúvida, a proposta desnudou-se tal como sempre foi desde o início: nada mais que um mal ajambrado cavalo-de-tróia, que traz na barriga a perspectiva de reeleição ilimitada à Hugo Chávez.
Caso consigam aprovar esse arcabouço jurídico-institucional, o passo seguinte, inevitável, será a mobilização de massas populares para "exigir" a continuidade de Lula, utilizando o braço pelego sindical. Vão tentar criar um clamor para que o presidente e o PT, após insistir em que não querem a re-reeleição, acatem docemente constrangidos.
Em verdade, a diferença entre Lula e seu mentor Chávez é que este último deixa clara sua pretensão de eternizar-se no poder, enquanto Lula segue o modelo de outro Chaves, o da TV: "Sem querer, querendo".
Em suma, está em marcha um golpe político, promovido com a desfaçatez de querer o fim da reeleição quando, ao contrário, se busca por baixo dos panos a eternização de uma liderança populista, sem alternância de poder e asfixiando oposição e vozes dissidentes. Lula e o PT continuam os mesmos.
A proposta de reforma política em curso não só "abre espaço" para o terceiro mandato de Lula. Também reintroduz a promiscuidade do troca-troca partidário, tornando sem efeito as últimas e moralizadoras decisões do TSE. Em verdade, dentro da tradição de perfídia, hipocrisia e dissimulação típica do PT, é a mais recente tentativa da esquerda de eternizar-se no poder. Então, devemos agir conforme o conselho de Cristo em Mateus, 10:16, simples como as pombas, mas prudentes como a serpente.


RONALDO CAIADO, 59, médico ortopedista, é deputado federal pelo DEM-GO e primeiro vice-líder do seu partido na Câmara.


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