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O que está acontecendo na Venezuela?
TEODORO PETKOFF
Tudo indica o fortalecimento do poder pessoal de Chávez e a intensificação do caráter autocrático, autoritário e militarista do regime
DESDE O final do ano passado,
Hugo Chávez vem lançando
um "blitzkrieg" político. Seus
anúncios contêm muito barulho. Mas
também não pouca substância. Desde
a criação do "partido único da revolução" até as invectivas contra José Miguel Insulza, há de tudo.
O pedido de uma Lei de Habilitação, para que o Parlamento delegue
ao presidente o poder de legislar; o
anúncio de nacionalização da companhia telefônica, da empresa elétrica
de Caracas e das companhias petrolíferas transnacionais que, associadas à
PDVSA, exploram o petróleo pesado
da Faixa do Orinoco; o cancelamento
da concessão de uma das duas grandes emissoras de televisão; a reforma
da Constituição, para incluir a possibilidade de reeleição do presidente
por tempo indeterminado; as ainda
confusas e pouco elaboradas idéias de
reorganização da distribuição político-eleitoral; uma nova política educacional -tudo articulado em torno do
objetivo do "socialismo do século 21",
presidido por dois slogans: "Pátria,
socialismo ou morte" e "Mande, comandante -nós obedecemos".
Na realidade, porém, não importa
que nome se dê ao produto desse excesso político. Tudo aponta para o
fortalecimento do poder pessoal de
Chávez e a intensificação da natureza
autocrática, autoritária e militarista
do regime, assim como a ampliação
de uma concepção anacronicamente
estatizante da economia.
As notícias falsas sobre a "nova geometria política" apontam para a criação de mecanismos para fortalecer o
centralismo e reduzir ou eliminar a
descentralização e, com ela, qualquer
vestígio de poder local e popular, fortalecendo o poder pessoal do caudilho carismático -o último, por enquanto, dessa longa estirpe latino-americana que começou com os libertadores e chegou a Fidel Castro.
Não tem nada a ver, portanto, com
uma visão moderna do socialismo,
que se fundamenta, antes de tudo, na
ampliação e no aprofundamento da
democracia, sem os quais não se concebe uma transformação social que
confira poder real à população e ponha abaixo os muros da pobreza.
A cristalização de fato desses objetivos serviria para criar um contexto
para alguns processos que já vêm
acontecendo. A estatização relativamente acelerada do esporte; a arregimentação mais lenta, porém progressiva, da vida cultural; o emprego do
aparato educacional para "educar"
crianças e adolescentes "nos valores
da revolução"; a anulação da autonomia universitária; a virtual liquidação
das ONGs, sobretudo de direitos humanos; a transformação da instituição armada num corpo fortemente
ideologizado, a serviço do caudilho
-todos são processos em marcha.
A eles é preciso acrescer o citado fechamento de um dos grandes canais
de TV privados, com a forte pressão
que implica sobre os meios de comunicação e a liberdade de expressão. O
chamado episódio Insulza tem de significativo o fato de ter deixado claro
que o rei está nu. O secretário-geral
da OEA só revelou que, por trás do fechamento do canal 2, havia uma razão
política e que o suposto vencimento
da concessão não passou de álibi.
Não seria exagero orwelliano afirmar que a cristalização desses processos em curso, assim como de outros já
anunciados, pode desembocar numa
espécie de totalitarismo light, ou seja,
sem Gulag ou Auschwitz, mas sob a
égide de um forte aparato policial e
militar e com o medo e o puxa-saquismo permeando todo o corpo social.
Mas, na Venezuela de hoje, não deve haver espaço para a desmoralização e o pessimismo. Apesar da vitória
de Chávez, a eleição recente produziu
um resultado auspicioso.
Primeiro, a campanha de Manuel
Rosales mobilizou uma massa de 4,2
milhões de venezuelanos, massa que
se havia evaporado depois do referendo revogatório, vítima de um abstencionismo galopante que serviu só para entregar ao regime, de graça, o controle sobre as instituições públicas
que ele ainda não tinha em suas mãos.
Em segundo lugar, emergiram duas
novas forças políticas, cada uma com
mais de 1 milhão de votos. Num contexto de pulverização dos partidos
políticos tradicionais, "Um Novo
Tempo" e "Primeiro Justiça" ganharam envergadura nacional e vão ostentar musculatura política maior no
ginásio do exército opositor. Agora há
partidos, instrumentos para a ação,
com os quais não se contava antes.
Emergiu também uma nova liderança, desvinculada dos erros caros
dos anos passados, nitidamente ligada a uma estratégia democrática, de
massas e eleitoral, agora, mais do que
nunca, a única viável para enfrentar e
derrotar a Chávez. Logo, existe como
e com que agir -com a consciência,
porém, de que não se trata de corrida
de cem metros rasos, mas de maratona com obstáculos. Paciência e perseverança serão essenciais.
Uma maldição chinesa diz: "Oxalá
vivas tempos interessantes". Bem,
tempos interessantes são os que estamos vivendo hoje, nós, venezuelanos.
TEODORO PETKOFF , 75, jornalista e economista, é diretor do jornal venezuelano "Tal Cual". Em 2006, foi candidato à Presidência da Venezuela, mas abriu mão da candidatura em favor de Manuel Rosales, de quem foi coordenador de campanha.
Tradução de Clara Allain .
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