São Paulo, domingo, 21 de janeiro de 2007

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O que está acontecendo na Venezuela?

TEODORO PETKOFF

Tudo indica o fortalecimento do poder pessoal de Chávez e a intensificação do caráter autocrático, autoritário e militarista do regime

DESDE O final do ano passado, Hugo Chávez vem lançando um "blitzkrieg" político. Seus anúncios contêm muito barulho. Mas também não pouca substância. Desde a criação do "partido único da revolução" até as invectivas contra José Miguel Insulza, há de tudo.
O pedido de uma Lei de Habilitação, para que o Parlamento delegue ao presidente o poder de legislar; o anúncio de nacionalização da companhia telefônica, da empresa elétrica de Caracas e das companhias petrolíferas transnacionais que, associadas à PDVSA, exploram o petróleo pesado da Faixa do Orinoco; o cancelamento da concessão de uma das duas grandes emissoras de televisão; a reforma da Constituição, para incluir a possibilidade de reeleição do presidente por tempo indeterminado; as ainda confusas e pouco elaboradas idéias de reorganização da distribuição político-eleitoral; uma nova política educacional -tudo articulado em torno do objetivo do "socialismo do século 21", presidido por dois slogans: "Pátria, socialismo ou morte" e "Mande, comandante -nós obedecemos".
Na realidade, porém, não importa que nome se dê ao produto desse excesso político. Tudo aponta para o fortalecimento do poder pessoal de Chávez e a intensificação da natureza autocrática, autoritária e militarista do regime, assim como a ampliação de uma concepção anacronicamente estatizante da economia.
As notícias falsas sobre a "nova geometria política" apontam para a criação de mecanismos para fortalecer o centralismo e reduzir ou eliminar a descentralização e, com ela, qualquer vestígio de poder local e popular, fortalecendo o poder pessoal do caudilho carismático -o último, por enquanto, dessa longa estirpe latino-americana que começou com os libertadores e chegou a Fidel Castro.
Não tem nada a ver, portanto, com uma visão moderna do socialismo, que se fundamenta, antes de tudo, na ampliação e no aprofundamento da democracia, sem os quais não se concebe uma transformação social que confira poder real à população e ponha abaixo os muros da pobreza.
A cristalização de fato desses objetivos serviria para criar um contexto para alguns processos que já vêm acontecendo. A estatização relativamente acelerada do esporte; a arregimentação mais lenta, porém progressiva, da vida cultural; o emprego do aparato educacional para "educar" crianças e adolescentes "nos valores da revolução"; a anulação da autonomia universitária; a virtual liquidação das ONGs, sobretudo de direitos humanos; a transformação da instituição armada num corpo fortemente ideologizado, a serviço do caudilho -todos são processos em marcha.
A eles é preciso acrescer o citado fechamento de um dos grandes canais de TV privados, com a forte pressão que implica sobre os meios de comunicação e a liberdade de expressão. O chamado episódio Insulza tem de significativo o fato de ter deixado claro que o rei está nu. O secretário-geral da OEA só revelou que, por trás do fechamento do canal 2, havia uma razão política e que o suposto vencimento da concessão não passou de álibi.
Não seria exagero orwelliano afirmar que a cristalização desses processos em curso, assim como de outros já anunciados, pode desembocar numa espécie de totalitarismo light, ou seja, sem Gulag ou Auschwitz, mas sob a égide de um forte aparato policial e militar e com o medo e o puxa-saquismo permeando todo o corpo social.
Mas, na Venezuela de hoje, não deve haver espaço para a desmoralização e o pessimismo. Apesar da vitória de Chávez, a eleição recente produziu um resultado auspicioso.
Primeiro, a campanha de Manuel Rosales mobilizou uma massa de 4,2 milhões de venezuelanos, massa que se havia evaporado depois do referendo revogatório, vítima de um abstencionismo galopante que serviu só para entregar ao regime, de graça, o controle sobre as instituições públicas que ele ainda não tinha em suas mãos.
Em segundo lugar, emergiram duas novas forças políticas, cada uma com mais de 1 milhão de votos. Num contexto de pulverização dos partidos políticos tradicionais, "Um Novo Tempo" e "Primeiro Justiça" ganharam envergadura nacional e vão ostentar musculatura política maior no ginásio do exército opositor. Agora há partidos, instrumentos para a ação, com os quais não se contava antes.
Emergiu também uma nova liderança, desvinculada dos erros caros dos anos passados, nitidamente ligada a uma estratégia democrática, de massas e eleitoral, agora, mais do que nunca, a única viável para enfrentar e derrotar a Chávez. Logo, existe como e com que agir -com a consciência, porém, de que não se trata de corrida de cem metros rasos, mas de maratona com obstáculos. Paciência e perseverança serão essenciais.
Uma maldição chinesa diz: "Oxalá vivas tempos interessantes". Bem, tempos interessantes são os que estamos vivendo hoje, nós, venezuelanos.


TEODORO PETKOFF , 75, jornalista e economista, é diretor do jornal venezuelano "Tal Cual". Em 2006, foi candidato à Presidência da Venezuela, mas abriu mão da candidatura em favor de Manuel Rosales, de quem foi coordenador de campanha.
Tradução de Clara Allain .


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