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FÁBIO KONDER COMPARATO
Na opinião da equipe que examinou o estado de saúde do Brasil, é inadiável dupla intervenção cirúrgica para salvar o paciente
AO CABO de amplo exame médico do paciente Brasil, chegou-se a um duplo diagnóstico.
Percebeu-se, em primeiro lugar,
que nosso país apresenta claros sintomas de persistente marasmo econômico. Nos últimos 26 anos, o crescimento do PIB per capita foi de 0,6%
ao ano, muito inferior à média nos
países subdesenvolvidos, mesmo sem
contar a China e a Índia. Pior ainda,
entre 1995 e 2005, segundo dados divulgados pelo FMI, o crescimento da
economia brasileira ficou 17% abaixo
da média mundial. Em 1980, éramos a
oitava economia do mundo, em termos de produção nacional. Agora, decaímos para a 14ª posição.
Foi igualmente diagnosticado um
processo de acentuada desagregação
social. Segundo dados do Dieese e do
Seade, o rendimento médio do trabalhador decresceu 33% entre 1995 e
2005. A massa das remunerações percebidas pelos trabalhadores, que representava metade da renda nacional
em 1980, corresponde agora a um terço. Para a classe média -o conjunto
dos que recebem entre três e dez salários mínimos por mês-, a situação se
tornou ainda mais dramática: o rendimento médio decresceu 46% nos últimos seis anos. Durante cinco séculos,
fomos um país de imigração. Agora, já
há 4 milhões de brasileiros domiciliados definitivamente no exterior.
Trata-se, pois, não de simples crise
episódica, vale dizer, conjuntural,
mas de uma moléstia crônica, a revelar acentuada desordem estrutural.
Qual a reação dos nossos governantes diante disso? A rigor, nenhuma. É
como se o assunto não lhes dissesse
respeito. O presidente da República,
entre uma ou outra declaração sem
conseqüência, passou várias semanas, após a posse, a negociar com os
partidos a composição do novo ministério, pressuposto necessário à opulenta partilha de cargos e funções do
segundo escalão. Quanto aos parlamentares, com raríssimas exceções,
continuam a viver no seu pequeno
mundo, apartado da realidade social.
Ora, na opinião da equipe médica
que examinou o estado de saúde do
nosso país, além do necessário reforço dos mecanismos da democracia direta e participativa, bem como das
correções a serem feitas no sistema
eleitoral e partidário, é inadiável proceder a uma dupla intervenção cirúrgica para salvar o paciente.
A primeira e mais delicada dessas
operações consiste em introduzir, na
estrutura dos nossos poderes públicos, um novo órgão, não subordinado
ao Executivo e ao Banco Central, e encarregado de exercer as funções cerebrais cujas deficiências são bem conhecidas dos especialistas em gerontologia: memória, previsão, interesse
e capacidade de planejar o futuro. O
país navega sem rumo e sem projeto.
A segunda intervenção cirúrgica,
indispensável e urgente, tem por objeto separar as funções de chefe de
Estado e de chefe de governo.
A chefia do Estado ou Presidência
da República, a ser confiada a pessoa
escolhida diretamente pelo povo, deve ter por escopo a realização, longe
das pressões partidárias, das duas
principais políticas do Estado: o desenvolvimento nacional e as relações
internacionais.
Já ao chefe do governo, pessoa a ser
escolhida pelo presidente da República, mas com aprovação do Congresso
Nacional, incumbirá primariamente,
além da administração do conjunto
dos serviços públicos, executar, segundo as instruções do chefe de Estado, a política de desenvolvimento nacional fixada pelo órgão de planejamento e aprovada pelo Congresso.
Havendo chegado a esse ponto,
contudo, a equipe médica que examinou o Brasil se viu diante de um problema colossal: a quem confiar o diagnóstico e a recomendação de tratamento da moléstia, uma vez que os
responsáveis constitucionais pelo paciente se recusam a tomar conhecimento do caso?
No passado, diante da incúria dos
poderes públicos, algumas instituições de grande prestígio da sociedade
civil assumiram com denodo a defesa
dos interesses nacionais. A grande interrogação que ora nos angustia é saber se elas serão outra vez capazes de
se levantar a fim de exigir dos agentes
políticos que, abandonando suas
mesquinhas quizílias pessoais e partidárias, assumam, enfim, a histórica
responsabilidade de evitar que a nação mergulhe num estado de decrepitude precoce e irreversível.
FÁBIO KONDER COMPARATO , 70, advogado, é professor
titular aposentado da Faculdade de Direito da USP. É autor, entre outras obras, de "Ética - Direito, Moral e Religião no Mundo Moderno".
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