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CLÓVIS ROSSI
A animalização do país
SÃO PAULO - No sóbrio relato de Elvira Lobato, lia-se ontem, nesta Folha, a história de um Honda Fit abandonado em uma rua do Rio de Janeiro "com uma cabeça sobre o capô e os
corpos de dois jovens negros, retalhados a machadadas, no interior do veículo".
Prossegue o relato: "A reação dos
moradores foi tão chocante como as
brutais mutilações. Vários moradores buscaram seus celulares para fotografar os corpos, e os mais jovens riram e fizeram troça dos corpos.
Os próprios moradores descreveram a algazarra à reportagem. "Eu
gritei: Está nervoso e perdeu a cabeça?", relatou um motoboy que pediu
para não ser identificado, enquanto
um estudante admitiu ter rido e feito
piada ao ver que o coração e os intestinos de uma das vítimas tinham sido
retirados e expostos por seus algozes.
"Ri porque é engraçado ver um corpo todo picado", respondeu o estudante ao ser questionado sobre a causa de sua reação".
O crime em si já seria uma clara evidência de que bestas-feras estão à solta e à vontade no país. Mas ainda daria, num esforço de auto-engano, para dizer que crimes bestiais ocorrem
em todas as partes do mundo.
Mas a reação dos moradores prova
que não se trata de uma perversidade
circunstancial e circunscrita. Não. O
país perde, crescentemente, o respeito
à vida, a valores básicos, ao convívio
civilizado. O anormal, o patológico, o
bestial, vira normal. "É engraçado",
como diz o estudante.
O processo de animalização contamina a sociedade, a partir do topo,
quando o presidente da República diz
que seu partido está desmoralizado,
mas vai à festa dos desmoralizados e
confraterniza com trambiqueiros
confessos. Também deve achar "engraçado".
Alguma surpresa quando é declarado inocente o comandante do massacre de 111 pessoas, sob aplausos de
parcela da sociedade para quem presos não têm direito à vida? São bestas-feras, e deve ser "engraçado" matá-los. É a lei da selva, no asfalto.
@ - crossi@uol.com.br
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