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EUROPA PÓS-MADRI
Os atentados de Madri deverão ter como subproduto importantes mudanças na União Européia. A rigor, elas já começaram. A
eleição de um governo socialista na
Espanha tende a reforçar o eixo Paris-Berlim em detrimento dos chamados atlantistas - o grupo de países alinhados com Washington.
Com efeito, depois da derrota do
premiê espanhol, José María Aznar,
os principais representantes desse
grupo, o premiê britânico, Tony
Blair, e o líder italiano, Silvio Berlusconi, ficaram mais isolados. Só não
há perspectivas imediatas de que
caiam pela prosaica razão de que não
há eleições à vista.
No plano institucional, podem-se
prever progressos na adoção de uma
Constituição européia. Eram a Polônia e a Espanha os países que vinham
erguendo maiores objeções ao anteprojeto em discussão. Pela proposta,
as duas nações perderiam poder em
relação ao que teriam sob as atuais
regras. Mas o futuro premiê espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero,
já anunciou repetidas vezes que dará
prioridade total à integração européia. A Polônia, sozinha, dificilmente terá forças para bloquear a Carta,
que, diga-se, é fundamental para o
bom funcionamento da UE a partir
de maio, quando dez novos membros deverão juntar-se ao bloco.
Avançando mais rapidamente e
sob os auspícios do eixo Paris-Berlim, a UE deverá distanciar-se um
pouco mais da Casa Branca. Não se
devem esperar, contudo, desenvolvimentos muito dramáticos. A disposição dos dois lados é a de evitar atritos maiores e de colaborar, o que é de
fato fundamental para o combate ao
terror, que se tornou, ainda mais do
que antes, um objetivo comum.
Assim, apesar das diferenças doutrinárias entre o núcleo europeu e os
EUA, é razoável esperar uma maior
cooperação entre serviços secretos
europeus e norte-americanos e até
entre as forças militares. No âmbito
específico da UE, deverão ocorrer já
nas próximas semanas mudanças
importantes, que reforçarão o papel
da Europol (polícia européia) e da
Eurojust (Justiça européia), além da
criação do cargo de supercomissário
antiterror europeu.
Paradoxalmente, as divergências
poderão até mesmo levar os dois lados a uma maior aproximação. Bush
precisa, inclusive por razões eleitorais, reduzir de modo drástico suas
tropas no Iraque. A melhor opção é
substituir os soldados por forças da
Otan, a aliança militar ocidental.
Os europeus compartilham desse
objetivo. Acreditam que a complexa
situação iraquiana é um dos motores
do terrorismo. Assim, não é impossível que os EUA e a UE cheguem a
um acordo para reformular a Otan,
organização que, desde o fim da
Guerra Fria, está em busca de um papel para desempenhar.
Os bárbaros ataques a Madri, ao
precipitar a Europa na luta contra o
terrorismo -não na guerra do presidente George W. Bush, mas numa
outra, menos truculenta, mais política e portanto mais sábia-, poderão
voltar-se contra os objetivos daqueles que os perpetraram. Pelo menos é
o que se espera.
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