São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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EUROPA PÓS-MADRI

Os atentados de Madri deverão ter como subproduto importantes mudanças na União Européia. A rigor, elas já começaram. A eleição de um governo socialista na Espanha tende a reforçar o eixo Paris-Berlim em detrimento dos chamados atlantistas - o grupo de países alinhados com Washington.
Com efeito, depois da derrota do premiê espanhol, José María Aznar, os principais representantes desse grupo, o premiê britânico, Tony Blair, e o líder italiano, Silvio Berlusconi, ficaram mais isolados. Só não há perspectivas imediatas de que caiam pela prosaica razão de que não há eleições à vista.
No plano institucional, podem-se prever progressos na adoção de uma Constituição européia. Eram a Polônia e a Espanha os países que vinham erguendo maiores objeções ao anteprojeto em discussão. Pela proposta, as duas nações perderiam poder em relação ao que teriam sob as atuais regras. Mas o futuro premiê espanhol, José Luis Rodríguez Zapatero, já anunciou repetidas vezes que dará prioridade total à integração européia. A Polônia, sozinha, dificilmente terá forças para bloquear a Carta, que, diga-se, é fundamental para o bom funcionamento da UE a partir de maio, quando dez novos membros deverão juntar-se ao bloco.
Avançando mais rapidamente e sob os auspícios do eixo Paris-Berlim, a UE deverá distanciar-se um pouco mais da Casa Branca. Não se devem esperar, contudo, desenvolvimentos muito dramáticos. A disposição dos dois lados é a de evitar atritos maiores e de colaborar, o que é de fato fundamental para o combate ao terror, que se tornou, ainda mais do que antes, um objetivo comum.
Assim, apesar das diferenças doutrinárias entre o núcleo europeu e os EUA, é razoável esperar uma maior cooperação entre serviços secretos europeus e norte-americanos e até entre as forças militares. No âmbito específico da UE, deverão ocorrer já nas próximas semanas mudanças importantes, que reforçarão o papel da Europol (polícia européia) e da Eurojust (Justiça européia), além da criação do cargo de supercomissário antiterror europeu.
Paradoxalmente, as divergências poderão até mesmo levar os dois lados a uma maior aproximação. Bush precisa, inclusive por razões eleitorais, reduzir de modo drástico suas tropas no Iraque. A melhor opção é substituir os soldados por forças da Otan, a aliança militar ocidental.
Os europeus compartilham desse objetivo. Acreditam que a complexa situação iraquiana é um dos motores do terrorismo. Assim, não é impossível que os EUA e a UE cheguem a um acordo para reformular a Otan, organização que, desde o fim da Guerra Fria, está em busca de um papel para desempenhar.
Os bárbaros ataques a Madri, ao precipitar a Europa na luta contra o terrorismo -não na guerra do presidente George W. Bush, mas numa outra, menos truculenta, mais política e portanto mais sábia-, poderão voltar-se contra os objetivos daqueles que os perpetraram. Pelo menos é o que se espera.


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