São Paulo, domingo, 21 de março de 2004

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CARLOS HEITOR CONY

A arca de Noé

RIO DE JANEIRO - A atual histeria contra o PT, embora justificada pelos recentes episódios de corrupção e pela estagnação do governo presidido pelo partido, não deixa de ser exagerada e, de certo modo, imerecida.
Afinal, o PT marcou-se no passado por espalhafatosa histeria moralizante, cultivando a imagem de vestal, de corpo estranho aos mil acidentes da carne política. Julgava-se espírito puro, ideal imaculado.
Um ou outro caso duvidoso que surgia na vida partidária, envolvendo a antiga, tradicional e irrecuperável natureza humana, era prontamente abafado pela necessidade de ter um justo na face da Terra que merecesse ser salvo na arca de Noé. Por conta própria, os petistas julgavam e obrigavam os outros a julgar que somente o partido da estrela vermelha merecia sobreviver ao dilúvio.
As revelações de agora demonstram que o PT era e continua sendo um partido como os outros, pregando uma coisa e fazendo outra. E, em matéria de compostura pessoal e cívica, com elementos bons e maus, do mesmo modo que todos os partidos.
Contudo a arrogância petista está dando margem a uma generalização injusta e desproporcional. Tanto José Dirceu como o ministro Palocci estão sendo acusados à exaustão pelo fato de terem ou manterem assessores e amigos que se aproveitavam da parcela de poder adquirida para atos de improbidade explícita.
Compreende-se a tática política dos adversários do PT em derrubar os mitos criados em torno de Lula e de seus adeptos. Mas não se pode levar a sério as acusações que pretendem atingir pessoalmente os dois ministros, que formam o núcleo de um governo desorientado.
Devemos criticar a falta de preparo técnico e político da turma principal que está no poder. Mas a acusação genérica de pilantragem é, além de absurda, estupidamente burra.


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