São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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Nem tudo está perdido


CLÓVIS ROSSI
Madri - Recebi, na semana passada, um e-mail desconcertante de uma menina de 14 anos, Ana Paula Bianconcini, estudante.
Desconcertante porque revela um grau surpreendente de maturidade para uma menina de apenas 14 anos. Mas mais desconcertante pelo que mostra de angústia, frustração, quase desespero, em quem é pouco mais que uma criança.
Sei que a crítica mais comum sobre meu trabalho é a de que sou muito pessimista, negativista ou algo semelhante. Pode até ser verdade, mas tenho ao menos um álibi: já vi tantas coisas acontecerem no Brasil e no mundo (e, em geral, não foram coisas boas) que brota naturalmente um certo ceticismo, um quase cinismo.
Além disso, aos 56 anos, é óbvio que se esgota o tempo para que possa ver coisas boas acontecerem em penca.
Já a Ana Paula não viu quase nada ainda para ter idêntico direito. Mesmo assim, escreve:
"A nossa geração (a dela, claro) realmente ficará para a história. Jovens que têm informação de sobra (computador, Internet, intercâmbios etc), que reclamam, mas não fazem nada".
Ao seu próprio inconformismo com seus companheiros de geração, Ana Paula incorpora o relato do comportamento inverso:
"Ah, os políticos são ladrões, então deixa eles pra lá; a pobreza me incomoda, mas o que é que eu posso fazer?", parece ser o hino de muitos jovens, ao menos na visão de uma de suas representantes.
O que é pior é que essa música é entoada também por muita gente de 24, 34, 44, 54 ou 64 anos e mais.
Está tudo perdido, então? Não necessariamente. Ana Paula responde ela própria à pergunta sobre o que se pode fazer: "Tudo. Podemos fazer tudo. Esse é o livre-arbítrio".
O país seria bem melhor se suas Anas Paulas pudessem, em alguns anos, de preferência não muitos, sentir mais orgulho e menos angústia.


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