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Nem tudo está perdido
CLÓVIS ROSSI
Madri - Recebi, na semana passada,
um e-mail desconcertante de uma menina de 14 anos, Ana Paula Bianconcini, estudante.
Desconcertante porque revela um
grau surpreendente de maturidade
para uma menina de apenas 14 anos.
Mas mais desconcertante pelo que
mostra de angústia, frustração, quase
desespero, em quem é pouco mais que
uma criança.
Sei que a crítica mais comum sobre
meu trabalho é a de que sou muito
pessimista, negativista ou algo semelhante. Pode até ser verdade, mas tenho ao menos um álibi: já vi tantas
coisas acontecerem no Brasil e no
mundo (e, em geral, não foram coisas
boas) que brota naturalmente um certo ceticismo, um quase cinismo.
Além disso, aos 56 anos, é óbvio que
se esgota o tempo para que possa ver
coisas boas acontecerem em penca.
Já a Ana Paula não viu quase nada
ainda para ter idêntico direito. Mesmo assim, escreve:
"A nossa geração (a dela, claro) realmente ficará para a história. Jovens
que têm informação de sobra (computador, Internet, intercâmbios etc), que
reclamam, mas não fazem nada".
Ao seu próprio inconformismo com
seus companheiros de geração, Ana
Paula incorpora o relato do comportamento inverso:
"Ah, os políticos são ladrões, então
deixa eles pra lá; a pobreza me incomoda, mas o que é que eu posso fazer?", parece ser o hino de muitos jovens, ao menos na visão de uma de
suas representantes.
O que é pior é que essa música é entoada também por muita gente de 24,
34, 44, 54 ou 64 anos e mais.
Está tudo perdido, então? Não necessariamente. Ana Paula responde
ela própria à pergunta sobre o que se
pode fazer: "Tudo. Podemos fazer tudo. Esse é o livre-arbítrio".
O país seria bem melhor se suas
Anas Paulas pudessem, em alguns
anos, de preferência não muitos, sentir mais orgulho e menos angústia.
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