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O preço de um cabo
CARLOS HEITOR CONY
Rio de Janeiro - As elites políticas do
Brasil são unânimes em desprezar os
cabos eleitorais, faxineiros de votos
que todos têm vergonha de assumir ou
manter. Homens como FHC, por
exemplo, acreditam que chegaram lá
por conta de seus méritos morais e
acadêmicos, pela excelência de sua
imagem curtida nos templos da aristocracia paulista.
Não é assim que o Michel Camdessus, homem forte do FMI, o considera.
Guardadas as conveniências da linguagem oficial que deve prevalecer
nessas mumunhas, Camdessus acaba
de dizer com todas as letras (antigamente se dizia com todos os efes e erres) o que cassandras, neobobos e fracassomaníacos estão dizendo há pelo
menos dois anos. Com linguagem
mais chã, mas com o mesmo conteúdo.
A irrealidade do real funcionou como o mais eficiente cabo eleitoral da
nossa história republicana. Sacrificou
(e continua sacrificando) milhões de
brasileiros no holocausto do desemprego. É cedo ainda para falar no outro holocausto a caminho, o da inflação. Mas é tão idiota afirmar que haverá inflação como é imbecil afirmar o
contrário.
Sempre admirei o cabo eleitoral pessoa física. É um abnegado, um sujeito
capaz de passar meses em dedicação
exclusiva a um candidato, colando
cartazes, encaminhando pedidos, prometendo leitos em hospital, vagas em
escola, empregos, o diabo. Sua onipotente onipresença pré-eleitoral só é
menor diante de sua evaporação
pós-eleitoral, quando some sem deixar
vestígios, como um tripulante de disco
voador.
O real foi mais e melhor. Mesmo esculhambado pela realidade, que não
lhe respeitou sequer o nome, elegeu
duas vezes um político que sob a capa
de "light", de "clean", praticou o fisiologismo de Estado na versão mais despudorada possível.
Pior: quem paga o cabo eleitoral é
sempre o político interessado. No caso
do real, quem o está pagando somos
todos nós.
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