São Paulo, Domingo, 21 de Março de 1999
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O preço de um cabo

CARLOS HEITOR CONY


Rio de Janeiro - As elites políticas do Brasil são unânimes em desprezar os cabos eleitorais, faxineiros de votos que todos têm vergonha de assumir ou manter. Homens como FHC, por exemplo, acreditam que chegaram lá por conta de seus méritos morais e acadêmicos, pela excelência de sua imagem curtida nos templos da aristocracia paulista.
Não é assim que o Michel Camdessus, homem forte do FMI, o considera. Guardadas as conveniências da linguagem oficial que deve prevalecer nessas mumunhas, Camdessus acaba de dizer com todas as letras (antigamente se dizia com todos os efes e erres) o que cassandras, neobobos e fracassomaníacos estão dizendo há pelo menos dois anos. Com linguagem mais chã, mas com o mesmo conteúdo.
A irrealidade do real funcionou como o mais eficiente cabo eleitoral da nossa história republicana. Sacrificou (e continua sacrificando) milhões de brasileiros no holocausto do desemprego. É cedo ainda para falar no outro holocausto a caminho, o da inflação. Mas é tão idiota afirmar que haverá inflação como é imbecil afirmar o contrário.
Sempre admirei o cabo eleitoral pessoa física. É um abnegado, um sujeito capaz de passar meses em dedicação exclusiva a um candidato, colando cartazes, encaminhando pedidos, prometendo leitos em hospital, vagas em escola, empregos, o diabo. Sua onipotente onipresença pré-eleitoral só é menor diante de sua evaporação pós-eleitoral, quando some sem deixar vestígios, como um tripulante de disco voador.
O real foi mais e melhor. Mesmo esculhambado pela realidade, que não lhe respeitou sequer o nome, elegeu duas vezes um político que sob a capa de "light", de "clean", praticou o fisiologismo de Estado na versão mais despudorada possível.
Pior: quem paga o cabo eleitoral é sempre o político interessado. No caso do real, quem o está pagando somos todos nós.


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