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CARLOS HEITOR CONY
O suicida da Lagoa
RIO DE JANEIRO - Acordei com
um barulho danado em cima de
mim. Custei a entender o que era.
Aos poucos identifiquei o ruído típico das pás de um helicóptero, que
antigamente se chamava "autogiro", nome mais fácil de entender e
menos complicado. Não seria a primeira vez. Voava baixo, na certa estaria procurando traficantes na ladeira dos Tabajaras ou no morro
dos Cabritos, onde estão nascendo
duas favelas.
Fui à varanda para ver a operação. Leio nos jornais que não há traficantes, o que existe são supostos
traficantes, que, supostamente perseguidos, atiram contra os helicópteros com supostas armas de suposto uso exclusivo das Forças
Armadas.
Nada disso. O aparelho descia
quase no nível das águas da Lagoa e
delas retirava um corpo, à distância
parecia corpo de homem, mas não
tenho certeza. A operação não foi
fácil. Pensei que fosse acidente,
muito carro cai nas mesmas águas,
sobretudo ali, na Curva do Calombo, que já foi bem pior. Era raro o
dia em que não havia desastre naquele pedaço.
A empregada veio lá de trás e me
avisou que o rádio já estava dando a
notícia: tratava-se de um suicida.
Anônimo ainda, não deixara bilhete
explicando aquilo que os jornais antigamente chamavam de "tresloucado gesto".
Estava agora pendurado no espaço, pingando água. Um embaraço
qualquer no cabo que o suspendia
impedia que ele fosse recolhido a
bordo do helicóptero. Após algumas tentativas, a turma do regaste
desanimou e decidiu levá-lo assim
mesmo, suspenso no ar, pingando a
água que o sufocara.
Lembrei a cena inicial de um filme, aparelho igual levando pelos
céus de Roma uma estátua de Jesus
abençoando a cidade que Fellini escolheu para retratar a doce vida. O
suicida não teria motivos para
abençoar a cidade que o matou.
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