São Paulo, quarta-feira, 21 de abril de 2010

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FERNANDO DE BARROS E SILVA

Monstros urbanos

SÃO PAULO - No "Painel do Leitor" de ontem, Felipe Augusto Vicari de Carli argumenta que a pichação parece "brincadeira de adolescentes" quando comparada à ação do setor imobiliário e seus "monstrengos a tantos metros do chão". Curitibano, ele dá o exemplo de um novo edifício "desses envidraçados", com um "globo bizarro" no cume -"cinza, cinza, todinho insossamente cinza". A carta é boa.
Divergimos sobre os pichadores. Por que ver mera "brincadeira" na destruição do bem público ou do patrimônio alheio? Posso entender a motivação desses jovens, mas não reconheço força crítica ou "arte" nas mensagens furiosas e monótonas desses artesãos do niilismo.
O leitor, porém, tem razão quando lança luz sobre a predação em escala industrial das cidades. Ela não é obra de garotos pobres, mas de certos donos do dinheiro, na maioria das vezes com a mão amiga do poder público. E nesse ponto São Paulo talvez seja um exemplo bem mais triste do que Curitiba.
A cidade se move na base dos surtos imobiliários, não segundo qualquer noção de bem público ou critérios de planejamento. Do antigo centro para a avenida Paulista e dela para a Berrini e a marginal, a riqueza se desloca deixando atrás de si regiões depreciadas, quando não verdadeiros cemitérios urbanos. A história de São Paulo, de certa forma, é uma sucessão de abandonos.
Referências arquitetônicas? Nem pensar. O Masp é justamente isso: um museu moderno. Estamos (cada vez) mais para um amontoado de ostentação e miséria. Favelas convivem com condomínios fechados de luxo, "mansões verticais" neoclássicas e espigões espelhados. Cultivamos uma arquitetura cafona, agressiva, muito excludente.
Já é quase um clichê em certos círculos paulistanos criticar Brasília no aniversário dos seus 50 anos. Na capital do país, a distância entre o que ela prometia e o que se tornou ainda incomoda e escandaliza. Na capital do dinheiro, "terra de oportunidades", a utopia sempre pertenceu à esfera privada. E nossas aberrações são parte da paisagem.



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